Sem questão fiscal resolvida, não há recuperação, diz Levy

    Após uma semana difícil em que o Congresso manteve alguns vetos presidenciais a medidas que aumentam as despesas públicas e o mercado de câmbio e juros passou por turbulências, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deixou claro: “Sem a casa em ordem e a equação fiscal resolvida, não há recuperação”. O primeiro passo para a retomada do crescimento, disse em entrevista ao Valor, é assegurar os vetos da presidente Dilma Rousseff. Depois, “temos de criar as condições para a votação do Orçamento 2016 que garanta a meta de superávit de 0,7% do PIB e o fortalecimento fiscal nos anos seguintes”. 

    Havendo acordo em torno disso, ele assegura que “a turbulência acaba e o crescimento virá em um ritmo bem mais rápido, porque ele já está contratado com as medidas tomadas no começo do ano”. O equilíbrio fiscal permitirá a redução dos juros mais adiante, mas para ter garantias de que será um crescimento sustentável será preciso um terceiro elemento, das reformas estruturais, que reduzam o custo de investir e criar emprego. “Parece longe, mas é urgente. E não podemos perder tempo”, disse Levy. Leia, a seguir, a entrevista: 

    Valor: Forma-se um consenso no mercado de que a recessão se estenderá para 2016. Crescimento, para o Brasil, tornou-se miragem? 

    Joaquim Levy: A experiência mostra que, equacionada a questão fiscal, o crescimento vem com rapidez. Por duas razões: primeiro, porque as pessoas e empresas recuperam a confiança para levar seus planos avante. Segundo, porque as taxas de juros longas começam a cair e as condições monetárias podem ser relaxadas. Com o fiscal em ordem, é fácil recuperar a demanda – o mais difícil é garantir as condições para a oferta responder mais à frente. 

    Valor: Como assim? 

    Levy: Veja a mudança do câmbio. Ela vai criar enorme demanda por produtos industriais domésticos. Se a oferta não for flexível, daqui a pouco teremos escassez e os preços começam a subir. E aí, tem de apertar a política monetária outra vez. Aumento da oferta não depende de crédito subsidiado, mas de segurança macroeconômica, para o empresário tomar risco, e de mudanças estruturais que abram os mercados e aumentem a concorrência. Para que novas empresas possam entrar e para que as existentes tenham que se modernizar. 

    Valor: Ou seja, para evitar outro “voo de galinha” depois de botar a casa em ordem? 

    Levy: Exato, você tocou no que eu chamo do “1, 2 e 3 do crescimento”. Sem a casa em ordem e a equação fiscal resolvida, não há recuperação. Não adianta mais “estímulo”. Mas, mesmo com o equilíbrio fiscal permitindo o passo seguinte do relaxamento monetário logo adiante, não há garantia de sustentação do crescimento se não houver o terceiro elemento, das reformas estruturais, que reduzam o custo de investir e criar emprego. Por isso, tenho trabalhado com o Congresso em agendas estruturais, aquilo que o senador Renan [Calheiros] chamou de “Agenda Brasil”. Parece longe, mas é urgente. E não podemos perder tempo. 

    Valor: Como um ministro que está em permanente contato com o Congresso, o sr. vê condições de reconstruir a base de apoio político capaz de levar o governo adiante? 

    Levy: Sou jejuno em política. Mas, quando se tem um programa, fica mais fácil atrair apoios, mesmo que esse programa exija algum sacrifício inicialmente. Para isso, o governo tem de ser transparente no diagnóstico, nas ações necessárias e no que espera obter. Garantir os vetos da Presidente é o primeiro passo para a retomada do crescimento. Depois temos de criar as condições para a votação do Orçamento 2016 que garanta a meta de superávit de 0,7% do PIB e o fortalecimento fiscal nos anos seguintes. Se houver acordo nisso, a turbulência acaba e o crescimento, estou certo disso, virá em um ritmo bem mais rápido, porque ele já está contratado com as medidas tomadas no começo do ano. 

    Valor: Como sair dessa espiral negativa? 

    Levy: Eu vinha dizendo no governo que o Orçamento 2016 seria o momento da verdade, porque ali a gente teria de enfrentar a realidade pós-boom das commodities e o fim do colchão fiscal usado nas políticas expansionistas dos anos anteriores. De fato, é em volta do orçamento que as sociedades democráticas se organizam, expressam suas reais escolhas. Algo próximo a 90% do gasto público é relacionado a benefícios determinados por lei. Por isso, antes de pensar em cortar benefícios, temos de pensar como economizar, melhorando a gestão e adaptando a legislação para diminuir o desperdício e melhorar o foco. Avaliar com rigor cada programa. 

    “Tinha gente que achava que o ´downgrade´ estava no preço e podíamos ser complacentes. Ficou claro que não estava” 

    Valor: O sr. mencionou mudanças na previdência rural e flexibilização das negociações trabalhistas. O que o tem em mente? 

    Levy: Enfrentar com muita transparência a discussão do gasto e das mudanças estruturais é essencial. Só assim as pessoas vão entender por que o governo está pedindo à sociedade para aceitar mais impostos e, desta forma, atravessar com segurança o momento atual. Algumas dessas mudanças são parte da agenda anti voo de galinha. Pensar no mercado de trabalho quando a economia está se rebalanceando pode encurtar o período de ajuste e evitar maior retração do emprego. Reforçar a segurança nas concessões, idem. O Congresso vai entender esse desafio, até porque, se a gente não fizer nada ou se perder em opções miríficas, as condições de financiamento para o Brasil vão se deteriorar muito rapidamente. 

    Valor: E como aprovar reformas com um Congresso hostil? 

    Levy: Às vezes, a gente tem de ser incômodo dentro do governo e até com a sociedade, mesmo sem gostar. É muito bom poder ser leão ou águia, mas, às vezes, tenho de ser como a burrinha do Balaão e até dizer coisas inesperadas. Tinha gente que achava que o ´downgrade´ estava no preço e que, portanto, podíamos ser complacentes. Ficou claro que não estava, e que temos rapidamente de fazer mais contenção nos gastos para contrabalançar impostos, porque a economia pode piorar se titubearmos agora. 

    Valor: A meta do ano é realista? 

    Levy: A estratégia para 2015 foi de reduzir fortemente os gastos discricionários, minimizar o aumento de impostos e tentar levantar receitas com ações pró-crescimento. Economizamos R$ 80 bilhões em relação ao orçamento aprovado e reintroduzimos o imposto verde da Cide no começo do ano. Mas, principalmente, focamos na abertura de capital de várias empresas públicas e de setores cruciais para o crescimento. Assim, como dito no último relatório bimestral, o atingimento da meta não é isento de risco, porque depende das condições de mercado. Mas as novas outorgas de geração, que valorizam o mercado livre de energia e promovem a desindexação da economia, são muito boas. Aliás, vale o mesmo quanto à solução para os eletrointensivos do Nordeste, também montada com o Ministério das Minas e Energia e que não ganhou muita publicidade. Essa solução mostra como baixar o custo de energia para a indústria sem jogar a conta para o Tesouro, dando previsibilidade para o consumidor e recursos para ampliar a capacidade instalada, além de criar um piloto para avançarmos na redução permanente dos juros, ao desindexar os contratos. 

    Valor: Há uma visão de que as coisas no país vão piorar bem antes de melhorar. O desemprego, por exemplo. O sr. concorda? 

    Levy: Sem dúvida, o custo da inação é muito alto. Da mesma forma, os ganhos do governo afastar a ambiguidade fiscal e focar em uma agenda de crescimento são grandes. Não só para o governo, mas para todos, inclusive, a oposição, se ela apoiar uma agenda específica para tirar o país da dificuldade. Como dizia naquele filme do Abraham Lincoln, uma casa dividida não subsiste. Ao que eu arriscaria acrescentar que uma casa plural, em geral, é muito forte. 

    Valor: Passados nove meses de governo, os ganhos iniciais de ancoragem das expectativas estão escapando. O que está errado? 

    Levy: É importante ter em mente que, apesar da turbulência, as transformações da economia estão em curso. O equilíbrio externo está sendo fortalecido. A expectativa de inflação convergia para a meta de 4,5%, até surgirem dúvidas sobre o Orçamento 2016 e a aprovação tempestiva das medidas para apoiá-lo. Há esse represamento agora, mas, confirmado o compromisso fiscal do país, a recuperação será retomada. 

    Valor: Os preços dos ativos dispararam, exigindo ação do BC e do Tesouro. Foi ação coordenada? Foi o início de um ataque especulativo? 

    Levy: Como sempre, o BC e o Tesouro sincronizaram suas ações. O presidente Tombini e eu, assim como os técnicos, estamos sempre conversando e, respeitando-se as esferas de cada um, procuramos, em conjunto, tomar as ações mais eficazes possíveis. 

    Valor: Como, em um ambiente tão conflagrado, convencer o setor privado de que é preciso investir? 

    Levy: A minha experiência quando estava no setor privado indica que o principal nesse caso é haver um diagnóstico e medidas claras, mantidas com firmeza. Temos de investir naquele “1, 2, 3 do crescimento”, a resposta é garantida. Estou plenamente convicto de que as medidas que já adotamos e as propostas que temos elaborado ao longo desses meses serão o esteio da estabilização econômica e de um novo ciclo de desenvolvimento. Essa é a missão a que me propus ano passado, com medidas que permitam uma travessia segura para a retomada do crescimento, criando as condições para o desenvolvimento social e econômico. Porque, em qualquer cenário, a política econômica saudável tem que buscar o desenvolvimento sustentado com equilíbrio fiscal.

     

    Fonte: Valor Econômico

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