Entidades de classes dos auditores criticam a tentativa do governo de adiar o julgamento das pedaladas fiscais no TCU e saem em defesa do ministro Augusto Nardes
O pedido do governo de suspensão do processo sobre as contas de 2014 da presidente da República, Dilma Rousseff, no Tribunal de Contas da União e de afastamento do ministro Augusto Nardes da relatoria causou revolta em entidades representativas de classe. Em nota conjunta, a Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon), a Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU) e a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) repudiaram a atitude e reiteraram apoio a Nardes. “Arguir a suspeição de um magistrado é um direito, mas fazer disso um ato político, numa possível tentativa de intimidar a Corte de Contas ou pré-desqualificar seu pronunciamento é desrespeitoso, grave e muito preocupante para a democracia”, destaca a nota.
Para a presidente da ANTC, Lucieni Pereira, é uma tentativa que causa muita apreensão. “Uma medida protelatória de grande interferência entre os Poderes. O governo está tentando interditar o TCU pela mordaça. Se fosse uma decisão favorável, não haveria nenhum questionamento. A suspensão não pode ser um instrumento jurídico para o governo usar quando não estiver contente com uma decisão”, critica.
O governo entregou ontem ao TCU um pedido de suspensão do processo. Segundo o documento, o ministro relator, Augusto Nardes, antecipou o voto por meio de declarações na imprensa na tentativa de influenciar os demais magistrados para a rejeição das contas da presidente Dilma. Nardes nega que tenha antecipado a decisão e afirma que o governo está tentando intimidá-lo.
O relatório do tribunal identificou irregularidades de pelo menos R$ 40 bilhões nas contas de Dilma de 2014, muitas delas feitas por meio de pedaladas fiscais (veja quadro). Para Lucieni, um erro que onera o bolso do contribuinte em valores tão altos é de interesse público e a manifestação do magistrado é natural. “Não há porque ter sigilo em relação a isso. Os ministros confirmarão que não houve excessos. O que é o governo está fazendo é jus esperneante”, acredita.
Postura da AGU
De acordo com o consultor e advogado Francisco Lúcio, se o magistrado errou ao se manifestar, é válido analisar também a postura da Advocacia-Geral da União. “Antes mesmo de entregar as explicações do governo, a AGU já saiu em defesa da pessoa da presidente. A AGU existe para defender a União e não o gestor. A AGU defende o povo e, muitas vezes, atua junto ao TCU para responsabilizar o gestor que comete deslizes. É de se estranhar o comportamento.”
Lúcio acrescenta que pedir a suspensão do processo não cabe em casos de análises técnicas feitas pelo TCU. “Houve, inclusive, uma benevolência exagerada do TCU dando longos prazos para a defesa do governo. Não é um julgamento. É a aprovação de um parecer técnico, feito por técnicos do tribunal e, nesse caso, não há impedimento de o magistrado se manifestar”, complementa.
Já o professor de direito administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Maurício Zockun defende que Nardes poderia ter evitado as declarações públicas sobre o assunto. “O que se espera de um magistrado é o princípio da imparcialidade e qualquer antecipação de um julgamento pode quebrá-lo. Se, de fato, ele disse algo que pode ter antecipado o resultado, não está certo. O juiz fala nos autos.”
» Entenda o caso
De acordo com o ministro-relator do processo no TCU, Augusto Nardes, o governo usou manobras ilegais para mascarar as contas públicas. Confira as principais irregularidades apontadas no relatório:
A Caixa Econômica Federal utilizou recursos próprios para o pagamento de despesas com o Bolsa Família, o seguro-desemprego e o abono salarial. O governo não repassou os valores ao banco no prazo certo, o que configura empréstimo, que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
O governo usou recursos do FGTS para cobrir despesas do Programa Minha Casa Minha Vida, entre 2010 e 2014, e pagou sem previsão orçamentária. Os gastos da União precisam ser aprovados previamente no Congresso.
O BNDES fez pagamentos de despesas do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), entre 2010 e 2014. Os repasses do governo não foram feitos dentro do prazo, o que configura um empréstimo ilegal.
Estatais vinculadas a Telebras, Petrobras e Eletrobras gastaram mais do estava previsto no Orçamento.
Ao identificar, em novembro de 2014, que arrecadaria R$ 28,54 bilhões a menos, o governo deveria ter feito contingenciamento de recursos para manter a meta fiscal, conforme previsto no Decreto nº 8.367/2014. Em vez disso, determinou crédito adicional na execução orçamentária de 2014 para aprovar o Projeto de Lei nº 36/2014, que mudou a meta fiscal prevista – passou de R$ 116 bilhões para R$ 10,1 bilhões.
Por meio de decretos presidenciais, o governo aumentou despesas e abriu créditos orçamentários sem autorização do Congresso.
O governo não especificou prioridades e metas no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014 e
O governo também omitiu dívidas de R$ 40 bilhões com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o FGTS nas estatísticas da dívida pública de 2014 para maquiar as “pedaladas” e melhorar os resultados do superavit primário naquele ano.
Fonte: Correio Braziliense