Controle da inflação vai depender menos do BC, dizem analistas

    O controle da inflação nos próximos anos pode depender cada vez menos do Banco Central e da política monetária, avaliam alguns economistas ouvidos pelo Valor. Diante do aumento do déficit nominal – que alcançou 9,2% do Produto Interno Bruto (PIB) nos 12 meses encerrados em agosto – e da dificuldade em colocar as contas públicas no rumo, analistas argumentam que o BC está praticamente de mãos atadas para lidar com a piora das expectativas de inflação para 2016 e 2017. 

    Isso porque novas altas de juros, em vez de tornar a dívida mais atrativa, aumentariam o risco de calote por piorarem ainda mais o balanço das contas públicas, com efeitos adversos sobre a percepção de risco do país. Essa deterioração levaria a uma nova rodada de desvalorização cambial, com efeitos negativos sobre as expectativas inflacionárias. 

    O Brasil, dizem, se já não está nesta situação, que costuma ser descrita na literatura econômica como dominância fiscal, pode estar muito próximo a ela. Para esses analistas, a política fiscal é hoje o instrumento correto para reduzir a inflação e é necessário um plano consistente de ajuste das contas públicas para o longo prazo. 

    Tiago Berriel, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), explica que a situação de dominância fiscal ocorre quando o mercado – e os detentores de dívida – deixam de acreditar que o governo fará maior esforço fiscal, apesar do aumento do endividamento público. “Implicitamente, a gente sempre assume que o objetivo da política fiscal é estabilizar a relação entre dívida e PIB. Se em algum momento os agentes econômicos acreditarem que essa reação deixou de existir, estamos em dominância fiscal.” 

    Com aumento da aversão ao risco, os investidores se desfazem de títulos públicos e correm para ativos mais seguros, como o dólar. A desvalorização cambial aumenta a inflação, que acaba corroendo o valor nominal da dívida. Ou seja, a inflação passa a ser determinada pelo lado fiscal da economia. 

    Essa realidade, afirma, não é óbvia no caso brasileiro atual, mas é uma possibilidade real. “As expectativas fiscais precisam ser muito ruins para prazos mais longos”, comenta. O problema, diz, é que o superávit primário necessário para estabilizar a dívida é cada vez maior – algo como 3% do PIB hoje, diante da piora das projeções para o crescimento potencial e a situação fiscal difícil – e um ajuste fiscal dessa magnitude é considerado cada vez mais improvável diante do impasse político. 

    José Julio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), afirma que, provavelmente, o Brasil está em situação de dominância fiscal. O raciocínio, diz Senna, é que para levar a inflação para a meta, ainda que somente em 2017, a alta da Selic teria que ser de tal magnitude – algo como 4 pontos – que agravaria ainda mais a crise fiscal. “Ou seja, o BC já perdeu o controle pleno da inflação”, que depende cada vez mais da condução da política fiscal, diz. 

    O quadro, lembra Senna, não é inédito no Brasil. Na década de 80, a penúria das contas públicas brasileiras era tal que o processo de hiperinflação só seria debelado com o Plano Real, em 1994. O economista observa que a situação era muito distinta da atual, com taxas de inflação muito mais elevadas e regime cambial indexado ao diferencial de preços externos e internos, mas que ainda assim o diagnóstico a ser feito pode ser o mesmo. 

    Olivier Blanchard, hoje economista-chefe do FMI, defendeu que o Brasil viveu sob dominância fiscal entre 2002 e 2003. Em artigo de 2004, ele afirmou que, como o aumento de juros ampliava as chances de não pagamento da dívida, os títulos públicos ficavam menos atrativos e a o câmbio se desvalorizava, agravando a crise fiscal, já que parte da dívida era denominada em dólar. As altas de juros geravam mais, e não menos, inflação. 

    Para Aloísio Araújo, professor da Escola de Economia e Finanças da FGV, as implicações desse processo hoje são diferentes, porque o Brasil é credor externo líquido, com R$ 370 bilhões em reservas cambiais. Apesar do aumento da dívida bruta nos últimos anos, com forte impacto adverso da política de swaps cambiais do BC, o endividamento líquido, que considera os ativos da União, ficou praticamente estável nos últimos meses. 

    Para Araújo, que também é professor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), a situação ainda tem que piorar um pouco para que se possa falar em dominância fiscal. “Se a dificuldade para acertar as contas for episódica, agravada pela forte recessão, não acredito que estamos sob dominância fiscal. Mas é preciso voltar a fazer superávits primários”, diz. 

    Para Monica de Bolle, autora de proposta polêmica para lidar com a questão (ver texto abaixo), não há dúvidas de que o Brasil está sob dominância fiscal, num quadro em que o déficit nominal saltou seis pontos percentuais em menos de dois anos e a relação entre dívida e PIB “pode chegar rapidamente a 80% a 90%” – em agosto, essa proporção ficou em 65,3% do PIB. 

    Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), diz que não é a situação fiscal que está pressionando a taxa de câmbio e as expectativas para a inflação. “O ajuste fiscal funcionou bem para que as expectativas convergissem para a meta nos próximos anos, apesar de seu caráter contraproducente sobre a atividade e a arrecadação. O que aconteceu é que o BC reagiu desproporcionalmente ao aumento de preços, dado pela realinhamento de tarifas”, diz. Essa alta piora o déficit nominal e as expectativas para estabilização da dívida. 

    Apesar das avaliações divergentes, a maioria dos economistas concorda que o momento é de uma posição mais cautelosa por parte do BC. Para Senna, do Ibre, “não há um mínimo de disposição na área econômica para subir juros nesse momento”. Ele diz que o BC, ao traçar um ciclo de alta de juros, precisa estar convencido de que sua estratégia vai dar certo, o que não é viável agora, já que “há chance altíssima de um aperto monetário confirmar a tese de dominância fiscal”. 

    O ambiente político, com forte recessão e aumento do desemprego, também é bem pouco favorável ao arrocho das condições monetárias, afirma ele, apesar da piora das projeções de inflação para 2016. Nas últimas quatro semanas, as projeções para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiram 0,36 ponto percentual, para 5,94%. 

    “Não adianta subir juros com um déficit fiscal desse tamanho, é algo que já venho falando há algum tempo”, diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. Para ele, o BC reconheceu, de certa forma, esse cenário no Relatório Trimestral de Inflação, ao piorar as projeções para inflação em 2016 sem sinalizar novos aumentos de juros. “É uma questão de tempo até reconhecer que não será possível entregar inflação na meta no ano que vem”. O economista estima que o IPCA atingirá em 6,5% em 2016. 

    A sinalização recente do BC, diz Berriel, que também é responsável pela área macroeconômica da Pacífico Gestão de Recursos, indica prudência. Se o país estiver sob dominância fiscal, o BC não estará acelerando o processo. Ao mesmo tempo, caso haja resolução do impasse político e a situação fiscal caminhe, a distensão dos preços dos ativos, especialmente do câmbio, tende a melhorar as projeções de inflação.

     

    Fonte: Valor Econômico

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