Supremo freia o impeachment

    Decisões do STF suspendem rito que permitia recurso da oposição para pedido de impedimento rejeitado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Planalto respira aliviado

    As liminares concedidas ontem pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber e Teori Zavascki provocaram uma reviravolta em relação ao avanço dos pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em apenas um dia, a oposição viu o acordo com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, cair diante do entendimento da Corte de que as solicitações, se arquivadas, não podem ser levadas a plenário para a aprovação da maioria simples. Já o governo respirou aliviado com o tempo que ganhou para aprofundar as articulações contra o processo. 

    Na avaliação do advogado do PT, Flavio Caetano, as liminares suspendem qualquer ação de Cunha quanto ao rito do impeachment. Já o presidente da Câmara acredita ainda poder deferir ou não um eventual pedido. E já afirmou que recorrerá da decisão do Supremo. “A Câmara vai recorrer. Não há qualquer alteração em relação ao meu papel originário de aceitar ou indeferir. Indeferi cinco agora. Não há nada em relação ao meu papel”, disse ele, sobre o arquivamento de cinco pedidos de impeachment. 

    A estratégia do governo para evitar o avanço será baseada no diálogo, inclusive com a oposição, e o trabalho para reaglutinar a base e cumprir os acordos com parlamentares. E, caso Cunha defira um pedido, o governo deve recorrer imediatamente ao STF com a análise de que o presidente não poderia ter tomado essa decisão, segundo as decisões de Rosa. 

    Seguindo o ritmo do fim de semana prolongado, a terça-feira foi repleta de reuniões. Pela manhã, Dilma se encontrou com a coordenação política. Em seguida, o ministro da Secretaria-geral do Governo, Ricardo Berzoini, reuniu-se com líderes da base, no qual houve a orientação para que eles não votassem pela cassação do mandato de Cunha (leia matéria na página 5). Mais tarde, parte da bancada do PT, porém, não cumpriu o combinado. A presidente viajou ontem a São Paulo, para encontro com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o presidente uruguaio José Pepe Mujica, no Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Vivemos uma crise política séria, que se expressa na tentativa dos opositores ao nosso governo de fazer o terceiro turno. Essa tentativa começou após as eleições. Agora, ela se expressa na busca incessante da oposição de encurtar seu caminho ao poder”, disse Dilma, no evento, ao citar que “querem chegar ao poder dando um golpe”. 

    Reuniões

    O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, disse na manhã de ontem, após reunião da coordenação política, que o governo “está de portas abertas” para dialogar com a oposição. Ele reforçou que é necessário que haja superação de problemas por meio do diálogo com os parlamentares oposicionistas, mas não disse que o governo os procurará. Edinho afirmou ainda que um processo de impeachment seria transformar problemas e divergências políticas em jurídicos e isso provocaria uma “ruptura institucional”. 

    Na interpretação do advogado do PT, Flavio Caetano, as três decisões do Supremo Tribunal Federal suspendem qualquer ação do presidente da Câmara. Ele cita que na resposta à reclamação feita por deputados governistas, a ministra Rosa Weber se baseia na súmula vinculante 46 doSTF, que prevê que processos de crime de responsabilidade sejam pautados por lei federal. “Com base nisso, portanto, não vale essa questão de ordem decidida pelo Eduardo Cunha. A consequência imediata é que não só Cunha, mas a Câmara inteira está proibida de analisar processos de impeachment em processamento. Está tudo suspenso até que o STF decida o mérito em plenário ou seja interposto recurso e os relatores sejam vencidos”, diz o advogado. 

    A Câmara tem o prazo de 10 dias para responder ao STF. Quando o presidente da Casa contestar as liminares, os partidos de oposição PSDB, DEM, PPS, SD entrarão como amicus curiae, a fim de reforçar o processo. Além da resposta do Legislativo, é necessário um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) antes de o plenário tomar uma decisão, para a qual não há prazo. Caetano estima que o todo o trâmite possa durar mais de um mês.

     

    Entenda o caso

    Em 24 de setembro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, leu a resposta dada à questão de ordem relacionada ao trâmite dos processos de impeachment. Ficou então definido que qualquer parlamentar poderia apresentar recurso contra decisão contrária à abertura de processo em até cinco sessões, e que esse pedido precisaria ser aprovado pela maioria dos deputados em plenário. 

    Após recebimento de denúncia pela prática de crime de responsabilidade da presidente, ela seria notificada e teria prazo de até 10 sessões para se manifestar. Uma comissão especial seria criada após o recebimento da denúncia, composta por 66 titulares, com número proporcional de parlamentares por partido, e os votos de dois terços deles seriam necessários para autorizar o processo de impedimento, que seguiria assim para o Senado.

     

    Primeira decisão

    No início da manhã, o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki concedeu liminar que impede o Eduardo Cunha de dar andamento ao pedido de processo de impeachment. O mandado de segurança foi apresentado pelo deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) questiona o rito proposto por Eduardo Cunha em setembro: ele estabeleceu o Regimento Interno da Câmara como base para o encaminhamento do processo, o que o petista considera ilegal. Damous recorreu, mas Cunha tratou a demanda como questão de ordem, ou seja, a decisão do presidente da Câmara não necessitou ser apreciada pelo plenário. 

    De acordo com Zavascki, o mandado deixa claro que, mesmo que o processo de impeachment não fosse de “tamanha magnitude institucional”, o procedimento tomado pelo presidente da Câmara seria questionável. “Os fundamentos deduzidos na inicial e os documentos que os acompanham deixam transparecer acentuados questionamentos sobre o inusitado modo de formatação do referido procedimento, o que, por si só, justifica um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal a respeito”, ressaltou.

     

    Segunda decisão

    Logo após a divulgação da decisão provisória de Zavascki, a ministra Rosa Weber proferiu liminar semelhante, com base em mandado de segurança do deputado federal Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA). O parlamentar alegou que o presidente da Câmara não levou em consideração os pedidos de recurso. Desta forma, Cunha poderia, segundo Rubens Júnior, decidir “sobre inúmeras denúncias de crime de responsabilidade imputado à Presidente da República, e a qualquer momento poderá receber alguma delas – ou contra a rejeição de alguma delas poderá algum parlamentar recorrer – dando ensejo, assim, à aplicação do procedimento criado de maneira autocrática”. 

    No texto, Weber afirma pautar a atuação no Supremo “pela máxima deferência à autonomia dos poderes” – entretanto, cabe ao Judiciário o exercício do controle da juridicidade da atividade parlamentar quando a Constituição for posta “em jogo”. A ministra determinou que Cunha “se abstenha de analisar qualquer denúncia de crime de responsabilidade contra a Presidente da República até o julgamento do mérito deste mandado de segurança”. O presidente da Câmara tem até 10 dias para prestar informações e, após o prazo, a Advocacia-Geral da União e o Ministério Público Federal podem se manifestar.

     

    Terceira decisão

    A ministra Rosa Weber também concedeu uma outra liminar que vai no mesmo sentido das duas primeiras. Desta vez, a reclamação foi apresentada pelos parlamentares Paulo Teixeira (PT-SP) e Paulo Pimenta (PT-RS). Segundo os deputados, o procedimento de tramitação do processo que Eduardo Cunha propôs não estaria previsto na lei nem no regimento da Câmara, o que seria uma ofensa a Constituição. 

    A ministra considerou que a decisão sobre o tema era de espectro constitucional, o que justifica o envolvimento com o tema pelo STF. De acordo com a liminar, mais uma vez, Cunha não pode “receber, analisar ou decidir qualquer denúncia ou recurso contra decisão de indeferimento de denúncia de crime de responsabilidade contra a presidente”.

     

    Fonte: Correio Braziliense

    Matéria anteriorDilma escala tropa para barrar o impeachment
    Matéria seguinteTensão retorna: dólar dispara e bolsa desaba