O Tribunal de Contas da União (TCU) liberou o Banco Central (BC) de incluir na dívida líquida do setor público quase R$ 28 bilhões referentes a “pedaladas” fiscais praticadas pelo governo em 2013 e 2014. A autoridade monetária também ficou desobrigada de recalcular o superávit primário desses dois exercícios, ao contrário do que havia determinado anteriormente o tribunal.
Mais de seis meses após o plenário do TCU condenar por unanimidade as “pedaladas”, a área técnica concluiu a análise dos recursos impetrados pelo governo. O Valor teve acesso ao parecer da Secretaria de Recursos. Além de livrar o BC de contabilizar as manobras, os auditores sugeriram um perdão temporário para a dívida referente aos valores que foram adiantados pelo Fundo de Garantia dor Tempo de Serviço (FGTS) para o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.
No mais, o tribunal manteve quase todas as decisões anteriores mais importantes, inclusive a que exige o ressarcimento dos valores “pedalados”. As condições em que o pagamento será feito, no entanto, ainda depende dos ministros. O parecer técnico já está sendo analisado pelo relator dos recursos, Vital do Rêgo, que ainda vai preparar sua proposta de acórdão. A expectativa é de que a matéria seja votada em plenário no próximo dia 18 e são grandes as chances de os ministros aceitarem o parcelamento.
A forma de pagamento das “pedaladas” é fundamental para a definição do resultado fiscal deste ano. Caso o governo seja obrigado a regularizar tudo de uma vez – cenário menos provável -, o setor público poderá encerrar o exercício com um déficit fiscal de até R$ 115 bilhões.
O governo, entretanto, ainda não enviou sua proposta de parcelamento. Ontem, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, consultou o ministro doTCU José Múcio sobre a possibilidade de uma conversa ainda nesta semana. Múcio é o relator do processo das “pedaladas” e Vital do Rêgo cuida dos recursos que foram impetrados pela Advocacia-Geral da União e pelo Banco Central.
Na decisão de abril, o plenário do TCU determinou, entre outras coisas, que o Departamento Econômico do BC incluísse na dívida pública os valores devidos pela União ao Banco do Brasil, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ao FGTS. As dívidas referem-se, nesta ordem, a “pedaladas” em operações de equalização de taxas de juros de crédito agrícola, no Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e no programa Minha Casa, Minha Vida.
Para a apuração do resultado fiscal, o Banco Central utiliza o método conhecido como “abaixo da linha”, que é baseado na variação da dívida líquida do setor público (DLSP). Ao ser questionado sobre a não inclusão das “pedaladas”, a autoridade monetária argumentou que essas operações não cumprem os requisitos técnicos do método adotado.
No caso do BB, por exemplo, quase R$ 8 bilhões deixaram de ser contabilizados nas operações de safra agrícola. O Banco Centralargumentou que o impacto desse tipo de despesa na dívida líquida só deve ocorrer quando há o efetivo pagamento ou quando os valores são inscritos como passivo, o que não aconteceu. No caso do FGTS, onde R$ 7,66 bilhões deixaram de ser contabilizados na DLSP, a justificativa é de que o BC não tem atribuição fiscalizatória sobre o fundo.
Já para o PSI, o tribunal alegou que o BC havia contabilizado R$ 7,48 bilhões na dívida pública, quando o valor correto seria bem maior: R$ 19,64 bilhões. A determinação foi de que a contabilidade fosse atualizada.
Após a análise dos recursos, contudo, o TCU cedeu. Temendo insegurança jurídica, os técnicos recomendaram que a contabilização na dívida pública só aconteça mediante o desenvolvimento de indicadores construídos em paralelo às estatísticas fiscais tradicionalmente divulgadas pelo BC. “A forma alternativa de cumprimento da determinação, ora sugerida, justifica-se pela inconveniência de introduzirem-se alterações em estatísticas concebidas e utilizadas para fins diversos, notadamente o de subsidiar decisões de política monetária“, explica o parecer.
Com relação às “pedaladas” com recursos do FGTS, o desfecho ainda é incerto. A decisão original obrigava o Ministério das Cidades, que coordena o Minha Casa, Minha Vida, a deixar consignado no Orçamento de 2016 os valores referentes à regularização dos passivos. Após apreciarem os recursos, os auditores concordaram em excluir a exigência, mas o titular da Secretaria de Recursos discordou.
Segundo Sérgio da Silva Mendes, a consignação dos valores não prejudica a elaboração do Orçamento. “Ao contrário, consignar o limite no orçamento significa o quantum que o Tesouro pode utilizar sem comprometer sua capacidade de pagamento e, com isso, deixar saldos negativos volumosos e persistentes”, disse.
Fonte: Valor Econômico