Cunha acata pedido de impeachment contra Dilma e PT recorre ao Supremo

    Abandonado pelo PT e sem garantias de apoio da oposição para barrar o processo de cassação de seu próprio mandato, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) aceitou um dos 34 pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff protocolados na Casa desde o início do ano. O PT decidiu recorrer da decisão ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que pode ocorrer ainda hoje, dando início a uma série de manobras legais e regimentais possíveis e que tornam imprevisível uma data para o desfecho do processo.

    Há consenso entre os líderes partidários, no entanto, de que é preciso andar rápido, sem atropelar direitos, pois a crise econômica não permite que o país fique parado, em suspense, enquanto o Congresso decide a sorte da presidente da República.

    De uma certa forma, o governo pagou para ver: Dilma precisa de apenas 171 votos para manter o mandato. Se não os tiver é porque está sem condição alguma de governabilidade, se tiver, ganha um novo fôlego político e se livra do que chama de “chantagens” do presidente da Câmara. Na realidade, os bastidores que levaram à decisão de Cunha revelam uma história bem mais complexa que a versão oficial.

    Entre salvar o governo e salvar o PT, já há algum tempo havia uma decisão do partido de salvar o PT. O Palácio do Planalto, por intermédio, especialmente, do ministro Jaques Wagner (Casa Civil) tentou enquadrar os três deputados do PT no Conselho de Ética da Câmara a votar contra a abertura do processo de cassação de Eduardo Cunha. Os deputados hesitaram, mas mudaram de ideia ao perceber que contavam com a retaguarda partidária, quando o presidente do PT, Rui Falcão, manifestou apoio ao processo contra Cunha.

    Pesou também um problema interno: a tendência Mensagem é minoritária no partido, mas detém cargos importantes no governo e defendia publicamente a cassação de Cunha. A Construindo um Novo Brasil (CNB), majoritária, não queria assumir sozinha o desgaste de apoiar Cunha. Por fim, foi uma decisão de autodefesa do PT, que teme perder deputados para outros partidos, especialmente o Rede da ex-senadora Marina Silva. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, consultado sobre a decisão dos deputados, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria respondido “eles devem saber o que estão fazendo”, o que só fez aumentar a confusão no campo petista.

    Cunha tentou atrelar sua sorte no Conselho de Ética ao pedido de impeachment até o último instante. Quando percebeu que não teria o apoio dos três deputados do PT prometido por Wagner, o pemedebista consultou a oposição e partidos da base aliada. “Ele [Cunha] não quer dar início a isso [impeachment] e depois não andar mais”, contou um deputado que participou de uma das reuniões.

    Do lado governista, consultou PR, PP PTB – os líderes dos dois últimos estavam na sala quando anunciou pela primeira vez que aceitaria o impeachment. O SD e o DEM também foram consultados e levaram a informação ao PSDB. A oposição não se comprometeu em votar com o deputado no Conselho de Ética, mas a ordem é redirecionar o foco. “Não vamos mais tratar do Cunha, agora todas as energias estão voltadas para criticar a Dilma”, disse o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), em reunião reservada.

    Antes de anunciar sua decisão, Cunha ficou trancado por cerca de dez minutos, sozinho, em seu gabinete. O presidente da Câmara afirmou que assinou o pedido baseado na tese de que Dilma cometeu crime de responsabilidade fiscal no atual mandato ao editar decretos de abertura de crédito sem autorização que somam R$ 2,5 bilhões. “Mesmo o PLN 5 não supre as irregularidade de ter sido afronta à norma”, afirmou. O PLN 5 permite alterar a meta fiscal do ano, para que o governo possa registrar um déficit de R$ 119 bilhões este ano, com o pagamento das chamadas “pedaladas fiscais”.

    “O juízo do presidente da Câmara é única e exclusivamente de mérito. A mim, não tenho nenhuma felicidade de aprovar este ato”, disse Cunha.

    No Palácio do Planalto, Jaques Wagner e o ministro Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) monitoraram de perto os passos do Cunha após o anúncio do PT de que votaria pela admissibilidade do processo. Informado por um deputado que estava no gabinete de Cunha, Jaques desceu até o gabinete da presidente e a informou da decisão. O chefe da Casa Civil reuniu-se com o presidente do PT, Rui Falcão, na terça-feira e Rui ratificou a postura que já havia tornado pública no Twitter. Ontem, o presidente do PT voltou a se manifestar pela rede social: “golpistas não passarão”. Junto ao comentário, Falcão publicou as hashtags “não vai ter golpe” e “fica Dilma”.

    Falcão é um dos principais responsáveis pela mudança de postura do PT. O presidente do partido já há algum tempo demonstra contrariedade com as interferências do Palácio na legenda, com as críticas que fez ao ministro Joaquim Levy (Fazenda) e a uma cartilha publicada com opiniões da sigla sobre os assuntos de governo.

    A linha de defesa do PT é que a decisão de Eduardo Cunha foi motivada pela vingança. O vice-presidente e secretário de comunicação do partido, Alberto Cantalice, publicou no Twitter que é preciso manter-se de “cabeça erguida” diante das dificuldades políticas. “É melhor enfrentar as disputas que virão de cabeça erguida do que ceder à chantagem. #NaoVaiTerGolpe”, afirmou. Para o líder do PT, Sibá Machado (AC), os “responsáveis por essa safadeza” são o PSDB. “O padrinho por trás do Cunha é o PSDB”, disse.

    A decisão também recebeu críticas do PMDB, partido de Cunha. O líder na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), discordou abertamente. “Acho pessoalmente que ele se equivocou em aceitar o impeachment. Não vejo motivo jurídico para isso”, disse. Para Picciani não há como relacionar a situação no Conselho de Ética, onde Cunha é processado, com o impeachment. “Não sei se ele fez isso. Mas tem que olhar o impeachment pela ótica da Constituição Federal. Misturar esse tema com o conflito político é um equívoco enorme”.

    A cúpula do PMDB, partido do vice Michel Temer, que herdará a Presidência se Dilma for impedida, fez avaliações divergentes.. Dirigentes do partido disseram ao Valor que Eduardo Cunha pode se enforcar na própria corda, porque não teria o apoio da opinião pública e seu ato pode ser caracterizado como vingança pessoal. A leitura desses líderes é que mesmo despachando o impeachment, há o risco de Cunha ser processado, enquanto Dilma poderia se salvar. “O impeachment dela é político, mas o dele é moral”. Outros dirigentes, no entanto, acham que se a comissão for instalada, dificilmente Dilma escapa de perder o mandato.

     

    Fonte: Valor Econômico

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