O Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou ontem os recursos impetrados pelo governo contra a decisão que, em abril deste ano, condenou as “pedaladas” fiscais. A única flexibilização do TCU foi a retirada de uma determinação que obrigava o Banco Central a recalcular os resultados fiscais referentes aos exercícios de 2013 e 2014, período em que a “contabilidade criativa” esteve no auge.
Com a decisão, foi aberto prazo de 30 dias para que o governo apresente cronograma de regularização dos mais de R$ 40 bilhões “pedalados” no período. Atualmente, a cifra está em R$ 57 bilhões. Apesar do prazo concedido para apresentação da proposta, o TCU quer que o acerto seja feito “o mais rápido possível”, o que não impede que haja parcelamento.
Como o Congresso aprovou a mudança na meta fiscal, autorizando um déficit de até R$ 119 bilhões neste ano, o governo usará o espaço para fazer o pagamento ainda este ano. Para evitar um impacto maior sobre a dívida pública, o Tesouro vai cancelar empréstimo de R$ 30 bilhões do BNDES e, ao mesmo tempo, pagar cerca de R$ 24 bilhões ao banco. Também serão quitadas dívidas da equalização do crédito rural com oBanco do Brasil. O débito com o FGTS, que passa R$ 10 bilhões, poderá ser parcelado pelo governo.
A decisão do plenário foi precedida de mais uma tentativa de defesa por parte do governo, representado pela Advocacia-Geral da União e peloBanco Central. O advogado Rafaelo Abritta, da AGU, manteve a versão de que os atrasos nos repasses do Tesouro aos bancos públicos não configuraram operação de crédito.
Em sustentação oral, ele lembrou que após a primeira análise do caso pelo TCU, em abril, o governo editou um decreto que disciplinou esse tipo de operação. Pelas regras, o Tesouro não pode passar mais de cinco dias devendo aos bancos públicos. O advogado argumentou que a ocorrência desse tipo de pendência é natural e não pode ser considerada irregular. “Não dá para colocar valores superiores nos bancos, pois o dinheiro sairia de outro lugar e isso oneraria em demasiado o Orçamento”, disse o representante da AGU.
Os argumentos não convenceram os ministros. O relator dos recursos, Vital do Rêgo, acatou integralmente as recomendações da área técnica e não alterou a avaliação de que a União tomou empréstimo com os bancos públicos, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
O relator foi mais flexível, no entanto, com os recursos impetrados pelo BC. Conforme já tinha recomendado a Secretaria de Recursos do TCU, Vital dispensou a autoridade monetária da obrigação de recalcular o superávits primários de 2013 e 2014 considerando os valores “pedalados”.
Representando o BC no plenário, o procurador-geral da instituição, Isaac Ferreira, defendeu a tese de que os indicadores calculados pela autoridade monetária não têm o objetivo de subsidiar ou refletir a gestão fiscal, motivo pelo qual não podem ser considerados representativos para tal.
Apesar de não exigir o recálculo dos resultados fiscais, o TCU manteve a determinação de que os valores referentes à maquiagem sejam incorporados à dívida líquida do setor público, calculada pelo BC. Para isso, o banco terá que ser abastecido com dados do FGTS e do Finame – programa de financiamento do BNDES -, o que não ocorre atualmente. Na saída do plenário, o procurador do BC disse que não recorrerá da decisão e que a incorporação das “pedaladas” na dívida deve ocorrer nas próximas publicações mensais do indicador, possivelmente ainda este ano.
Encerrado o julgamento do mérito, o TCU se debruça agora sobre a responsabilização dos 17 gestores envolvidos. Estão na lista três ministros: Nelson Barbosa (Planejamento), Gilberto Occhi (Integração) e Tereza Campello (Desenvolvimento Social). Os presidentes da PETROBRAS, Aldemir Bendine, e do BNDES, Luciano Coutinho, também foram citados. O Valor apurou que as principais sanções devem ser impostas ao ex-ministro Guido Mantega e ao ex-secretário do Tesouro Arno Augustin.
Apesar de a análise do mérito das “pedaladas” só ter sido concluída ontem, a prática embasou a decisão do TCU que, em outubro, rejeitou as contas da presidente Dilma Rousseff referentes a 2014. A reprovação está sendo apreciada pelo Congresso, que pode ou não referendar a posição do TCU.
Fonte: Valor Econômico