Os técnicos da área de orçamento do governo estão se sentindo completamente inseguros sobre as normas que devem seguir ao fazer suplementação orçamentária, após as decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) no julgamento das contas de 2014 de Dilma Rousseff. Queixando-se da “insegurança jurídica” que teria sido criada, alguns deles disseram ao Valor que não assinarão mais nada antes que as regras fiquem mais claras, com medo de que possam ser responsabilizados no futuro. “Todo mundo está com medo de assinar qualquer coisa”, disse um deles.
O Valor falou também com servidores que dizem ter consultado técnicos do TCU para saber se a abertura de determinado crédito suplementar poderia ser feita por meio de decreto, mas foram aconselhados a fazer tudo por projeto de lei, com o argumento de que eles próprios não sabem qual será o entendimento dos ministros do tribunal.
Os problemas surgiram, segundo eles, a partir da decisão do TCU de que nenhum crédito adicional à proposta orçamentária pode ser aberto por decreto com base em superávit financeiro do exercício anterior e do excesso de arrecadação, se a meta fiscal estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano em curso não estiver sendo cumprida. O crédito terá que ser aberto por projeto de lei.
A primeira questão que eles levantam é que, muitas vezes, a arrecadação da União no ano pode estar em queda, mas uma receita específica, vinculada a uma determinada despesa, pode estar com excesso. Um problema concreto surgiu com a compensação financeira paga pela Itaipu Binacional pela utilização de RECURSOS HÍDRICOS. Os royalties são divididos entre a União, os Estados e os municípios.
A receita dessa compensação financeira ingressa nos cofres do Tesouro, que depois transfere parte para Estados e municípios. O repasse é contabilizado como despesa da União. A receita de Itaipu é em dólar, mas o pagamento dos royalties é feito em reais. Como a cotação do dólar subiu muito neste ano, o valor dos royalties subiu também e houve necessidade de fazer suplementação orçamentária da despesa com o repasse.
Até agora, essa suplementação era feita por decreto, pois há uma determinação constitucional de dividir os royalties dos RECURSOS HÍDRICOS com Estados e municípios. Com as decisões do TCU, surgiu a dúvida na área técnica do governo se era possível continuar fazendo por decreto. Como a repartição dos recursos é uma determinação constitucional, a alternativa do decreto pareceu a mais correta aos técnicos. Mas, em dúvida, eles preferiram o caminho do projeto de lei, pois, no entendimento deles, não há clareza sobre a extensão da nova regra do TCU.
O governo, então, encaminhou ao Congresso o PLN 32. Sob pressão de governadores e prefeitos, o Congresso aprovou rapidamente o projeto de suplementação, que se transformou na Lei 13.201, destinando R$ 241,1 milhões aos Estados e municípios.
Outro caso curioso aconteceu com uma doação de um banco internacional ao Serviço Florestal Brasileiro, órgão do MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Com a forte valorização do dólar, o governo tinha que aumentar o crédito orçamentário por causa do excesso de arrecadação verificado nessa receita específica. Normalmente, a suplementação seria feita por decreto. Mas os técnicos ficaram em dúvida sobre como proceder, diante das recentes decisões do TCU. Um deles chegou a pensar que talvez o governo tivesse que devolver a doação.
A nova decisão do TCU sobre a suplementação orçamentária aplica-se também às despesas obrigatórias, segundo as fontes consultadas. Assim, se não houver dotação orçamentária suficiente para pagar benefícios assistenciais, por exemplo, os pagamentos terão que esperar a aprovação pelo Congresso do projeto de lei com a autorização para a abertura de crédito adicional. Os técnicos questionam esse entendimento, observando que numerosas pessoas terão o pagamento de benefícios interrompido.
A norma do TCU vale também para o pagamento da dívida pública. Os seis decretos de suplementação baixados pela presidente Dilma neste ano, após o governo admitir que não cumpriria a meta fiscal fixada na LDO, aumentaram em R$ 2,5 bilhões as dotações orçamentárias. Do total, R$ 712,8 milhões se referem a abertura de créditos para pagar o serviço da dívida.
Os técnicos ouvidos pelo Valor argumentam que não faz sentido exigir que a abertura desses créditos destinados ao pagamento de dívidas sejam feitos por projeto lei, porque eles não afetam a meta de resultado primário. A edição dos seis decretos de suplementação é o fato concreto apontado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para o acolhimento do pedido de impeachment da presidente Dilma.
As fontes ouvidas pelo Valor reafirmaram o entendimento expresso anteriormente pelo governo, de que, em sua análise, o TCU confundiu a autorização orçamentária com a autorização fiscal, que é fixada no decreto de programação orçamentária e financeira, mais conhecido como decreto de contingenciamento. Neste decreto, lembraram as fontes, o governo define os limites para empenho e para o pagamento de despesas. “Esse é o decreto que garante a meta fiscal”, observaram.
Fonte: Valor Econômico