Ação governista garante vitória de Picciani e enfraquece impeachment

    O Palácio do Planalto fez a diferença na eleição, ontem, do líder do PMDB na Câmara. Por 37 votos a 30, o deputado Leonardo Picciani (RJ) foi reconduzido ao cargo, numa demonstração de que o governo da presidente Dilma Rousseff ainda dispõe de algum poder de articulação no Congresso. O grande derrotado da disputa foi o presidente da Casa, Eduardo Cunha, que assumiu e fez campanha aberta em favor do deputado Hugo Motta (PB), o adversário de Picciani. Na prática, o PMDB permanece dividido entre situação e oposição ao governo Dilma, mas a tese do impeachment perdeu no embate das duas correntes.

    Muito embora ainda seja cedo para avaliar, a vitória do Palácio do Planalto deve ter poucas consequências práticas em relação à votação das reformas ou para a criação de tributos como a CPMF, matérias cuja aprovação requer maioria constitucional (pelo menos 308 votos favoráveis). No entanto, uma eventual derrota de Dilma – que apoiou ostensivamente a recondução de Picciani – seria recebida negativamente pelos mercados como um sinal de que não haveria mais nenhum futuro para as reformas. Havia previsão, ontem, entre agentes financeiros de forte repercussão nos mercados, caso a presidente saísse derrotada da disputa.

    O Palácio do Planalto fez a diferença porque articulou para que cinco ministros, secretários de Estado e suplentes voltassem à Câmara apenas para votar em Picciani (houve duas abstenções e dois deputados, entre eles um de oposição, não foram votar). Os reforços devem agora voltar a seus postos, o que deixa Picciani, um aliado circunstancial da presidente Dilma, vulnerável à ação do grupo contrário. O deputado já percebeu a situação e avisou que vai liderar compondo com o lado perdedor, como é praxe no PMDB, sigla dividida desde a origem, quando autênticos e moderados disputavam o controle político da legenda.

    Já na condição de líder reeleito, Picciani afirmou que o resultado da eleição mostrou que é majoritária a ala do partido é contrária ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Picciani repetiu que é contra o afastamento de Dilma mas que irá indicar os integrantes do partido à comissão especial que vai analisar o pedido de impeachment de acordo com a divisão da bancada. “Todos estarão representados na Comissão de impeachment”, disse Picciani. “Eu e Hugo Motta vamos trabalhar juntos pela unidade do partido”.

    Alvo da Lava-Jato e com seu mandato nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o deputado Eduardo Cunha saiu derrotado, mas com quase metade da bancada a seu lado. Ele procurou minimizar a derrota. “O candidato era o Hugo [Motta]; eu era um apoio”, disse o presidente da Câmara. “Não vejo derrota nem vitória do governo nem de ninguém”.

    Segundo Eduardo Cunha, a eleição de líder do PMDB “não tem nada a ver” com impeachment nem com saída do partido do governo: “Não muda nada. O próprio Picciani reconheceu o erro de indicar só pessoas de um grupo para a comissão e falou que indicaria pessoas de todas as correntes”, afirmou, referindo-se aos episódios que levaram a questão sobre os ritos do impeachment a ser decidida pelo STF.

    Um dos cinco reforços enviados à Câmara pelos governistas para eleger Picciani, o ministro da Saúde, Marcelo Castro (PI) avaliou ainda que o governo saiu mais fortalecido após a vitória de Picciani. Apesar das críticas, o ministro licenciado negou haver problemas no fato de haver se licenciado para poder votar na Câmara. Castro acha que a “população entende a importância da votação” mesmo diante da necessidade de combate ao mosquito transmissor do virus zika.

    Enquanto aguardam os primeiros atos de Picciani e conferem se é para valer a manifestação de interesse numa composição, aliados de Cunha traçaram estratégia para tentar manter influência após a derrota: lançar candidaturas avulsas para presidente das comissões permanentes contra o “candidato oficial” do partido. A ideia é disputar principalmente o comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a principal da Casa, por onde passam praticamente todos os projetos relevantes e também os recursos contra decisões do Conselho de Ética sobre o processo de cassação de Cunha, e a Comissão Mista de Orçamento (CMO), que julgará as contas de Dilma.

    Embora os presidentes das comissões sejam eleitos, a regra costuma ser o líder partidário indicar o deputado que desempenhará a função. Os cargos são divididos de acordo com o tamanho da bancada de cada partido, mas aliados do pemedebista pretendiam quebrar a tradição para impedir que o governo tome o controle das comissões. Foi na CCJ que o grupo de Cunha travou o andamento das propostas de emenda constitucional (PECs) para recriar a CPMF, prorrogar a Desvinculação das Receitas da União (DRU) e acabar com o abono de permanência. Sem o controle da comissão, diminui o poder de pressão – embora ainda controle a pauta de plenário como a presidência da Câmara.

    O plano dos aliados de Cunha foi traçado antes da eleição para a lider do PMDB. Aliados de Cunha dizem que ele estava confiante na vitória, pela qual se empenhou pessoalmente, mas que já tinham discutido o cenário em caso de derrota: unir os partidos que orbitam o pemedebista, como SD, PSC e PTB, à oposição para derrotar o governo. A divisão e a radicalização dos pemedebistas não é o melhor cenário para o governo, que joga no enfraquecimento e no afastamento Cunha. Já o vice-presidente Michel Temer (PMDB) aposta na união e convidou Motta e Picciani para almoçar hoje.

     

    Fonte: Valor Econômico

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