Ações em terreno minado

    Alterações na CGU e na Abin, e manutenção da direção da PF causam tensão de categorias. Governista diz que não dá para agradar a todos

    Modificações em órgãos de controle em tempos de grandes operações de combate à corrupção no país, feitas pelo presidente em exercício Michel Temer, trouxeram temores a entidades de classe e observadores do setor de segurança pública. A antiga Controladoria-Geral da União (CGU) deixou de ser parte da Presidência da República, uma suposta perda de poder na visão dos analistas da Casa. A Polícia Federal, que quer mudar o diretor, agora é chefiada por um ministro da Justiça considerado “linha dura” e que defendeu a manutenção de Leandro Daiello no cargo. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) voltou a ser dirigida por militares, um “retrocesso” na transparência, segundo os oficiais.

    De sua parte, o governo rejeita os temores levantados. “Essas mudanças vão melhorar o controle”, garante o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão do ministro da Secretaria de Governo da Presidência, Geddel Vieira Lima. “Tivemos coragem de mudar. Vamos aguardar os resultados.” Para ele, não dá para agradar a todos.

    A Medida Provisória 726, um dos primeiros atos de Temer, extinguiu a CGU e transformou-a no Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, desvinculado do Planalto. Para o presidente do Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle (Unacom), Rudinei Marques, o problema não é só “cosmético” com um nome associado à doutrina internacional do que significa ser uma controladoria. “A gente sai da hierarquia da Presidência”, inicia ele. “Você vai perder a autoridade para os atos dos outros ministros a corrigir e sanar irregularidades.”

    Nesta segunda-feira, todas as unidades da ex-CGU fazem assembleia para debater o tema. Um encontro com o novo ministro, Fabiano Silveira, deve ocorrer entre hoje e amanhã. Para Vieira Lima, o nome pode até ser mudado, mas os temores não têm razão. “Estão totalmente equivocados. Ao contrário, eles vivem pedindo mais autonomia? E todos os órgãos são ligados à Presidência.”

    Militares

    A Abin quase sempre viveu sob a batuta dos militares. Num período curto, de outubro de 2015 até a semana passada, era vinculada à Secretaria de Governo. Com a chegada de Temer, o órgão volta a ser dirigido por militares, sob o comando do general Sérgio Etchegoyen. Ele foi acusado de ter “total desconhecimento sobre a atividade” pela Associação de Oficiais de Inteligência (Aofi), ao circular a notícia, desmentida pela agência, de que havia encerramento de cooperação entre a Abin e órgãos internacionais. Segundo a presidente da Aofi, Beatriz Neves, o “retrocesso” com os militares ocorre na transparência do órgão. “O fato de ser órgão civil permite muito mais controle externo sobre a atividade dentro do que é possível”, afirma. “A Abin sempre foi tida como uma caixa-preta. Podia ser mais transparente.”

    Vieira Lima diz que, na gestão civil, houve denúncias de que a Abin espionou o juiz da Lava-Jato no Paraná, Sérgio Moro, tudo sob comando do ex-ministro Ricardo Berzoini. “Quando você coloca um militar, tem condição maior de ser órgão de estado, não se governo”, rebateu o deputado do PMDB.

    Um especialista em segurança pública critica o fato de o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, ser egresso do estilo “linha dura” no enfrentamento a manifestações populares em São Paulo. Mas ele duvida que o novo ministro, mesmo que quisesse, conseguiria, por exemplo, segurar a Operação Lava-Jato. O presidente da Associação dos Delegados da PF, Carlos Sobral, diz que a entidade quer a saída de Daiello porque o ciclo dele se encerrou. Numa iniciativa inédita, os delegados estão se candidatando a diretor-geral. Uma eleição ocorre dia 30. No dia 31, os mais votados vão compor uma lista tríplice a ser entregue ao governo. “Havia uma perspectiva de mudança após as Olimpíadas”, conta Sobral. “Vamos deixar a lista pronta.”

    Vieira Lima desqualifica as críticas a Moraes por considerá-las genéricas. “Não se pode julgar uma pessoa antes dos resultados, ou só porque ela é careca”, ironizou ao citar a calvície do novo ministro. O deputado diz que o governo vai analisar a lista tríplice dos delegados, mas ressaltou que a palavra final é de Temer, “que tem uma visão de Estado como um todo”.

    Essas mudanças vão melhorar o controle. Tivemos coragem de mudar. Vamos aguardar os resultados”

    Lúcio Vieira Lima (PMDB), deputado da base de Temer

    Onde está o nó

    Temores de associações de classe e especialistas em controle e segurança

    CGU

    » mudança de local na estrutura do governo pode tirar poder

    » mudança de nome reconhecido internacionalmente é criticado

    Polícia Federal

    » ministro “linha dura” assusta defensores de direitos humanos

    » parte da categria critica manutenção de Leandro Daiello na direção da PF

    Abin

    » volta ao controle militar após curto período sob o guarda-chuva civil

    Fonte: Correio Braziliense

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