Na tentativa de ganhar a confiança dos investidores, o governo interino de Michel Temer dará um sinal concreto de autonomia financeira das agências reguladoras. Elas devem ser transformadas em unidades orçamentárias independentes a partir de 2017.
A iniciativa está sendo costurada entre a Casa Civil e o comando das autarquias. Um projeto de lei geral das agências, garantindo independência operacional das reguladoras, está no radar do governo e deve ter sua primeira minuta apresentada nos próximos dias para discussão com os gestores.
“Queremos que vocês sejam órgãos de Estado, não de governo”, disse o ministro Eliseu Padilha, na quinta-feira à tarde, em uma reunião com presidentes e diretores das agências. Ele incumbiu o economista Marcelo Guaranys, atual subchefe de análise e acompanhamento de políticas governamentais da Casa Civil, de conduzir a elaboração de uma proposta para envio ao Congresso Nacional. Guaranys comandava a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) até março.
Antes, no entanto, o governo pretende tratar as agências como órgãos autônomos na proposta de lei orçamentária de 2017. É uma reivindicação antiga – e ignorada – das reguladoras. Parece pouco, mas livrará as autarquias de uma constante queda de braço por recursos com os ministérios aos quais elas estão vinculadas.
Para fins de execução financeira, as agências são hoje totalmente dependentes da vontade do ministro de plantão. Por exemplo: a Aneel está dentro do orçamento do Ministério de Minas e Energia, a ANTT fica debaixo do guarda-chuva dos Transportes, a Anvisa obedece à Saúde.
Na hora de aplicar os decretos de contingenciamento, é o ministro de cada pasta quem escolhe se e quanto cortam dinheiro das agências. Isso tende a constranger a autonomia decisória dos dirigentes e deixá-los à mercê de eventuais represálias quando surgem pontos de conflitos com os ministérios. Em tese, as agências deveriam estar protegidas.
Se realmente transformadas em unidades orçamentárias independentes, elas não vão ficar blindadas dos cortes que normalmente ocorrem nos primeiros meses de cada ano, mas passariam a negociar diretamente com o Ministério do Planejamento e ganhariam mais autonomia na relação com as pastas setoriais.
Para a Casa Civil, fortalecer as agências é uma sinalização importante para restaurar o ambiente de confiança dos investidores. Padilha encomendou à equipe um raio-X dos projetos de lei no Congresso para ver em que medida se pode aproveitar algum texto já em tramitação. O PL 3.337 de 2004, enviado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, buscava criar uma espécie de marco regulatório das agências. Acusado de ser excessivamente intervencionista, o projeto ficou travado e acabou sendo retirado da Câmara dos Deputados por determinação da presidente afastada Dilma Rousseff.
“Apregoar a autonomia das agências é um discurso quase consensual, mas difícil de implementar”, observa o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, que esteve na Casa Civil junto com outros dirigentes e foi designado porta-voz informal do grupo.
Rufino saiu da reunião dizendo que as novas sinalizações “soam como música” para os órgãos reguladores. “Estamos no caminho certo”, afirmou. No curto prazo, ele tem uma situação dramática para resolver. O orçamento aprovado pelo Congresso para a Aneel em 2016 totalizava cerca de R$ 120 milhões, mas dois cortes patrocinados ainda na gestão de Dilma Rousseff levaram o limite financeiro para R$ 44 milhões.
Diante da penúria, a agência foi obrigada a interromper os serviços de teleatendimento aos consumidores. Se não houver um reforço no caixa, o que Rufino tem esperança de obter após a nova meta fiscal, não haverá mais audiências públicas presenciais para discutir revisões tarifárias de distribuidoras nos Estados onde as concessionárias atuam – simplesmente porque a Aneel não tem condições de bancar as passagens aéreas dos técnicos.
Um exemplo dos efeitos da menor autonomia orçamentária das agências reguladoras pode ser percebido na aquisição de bilhetes aéreos pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Frequentemente requisitada para participar de eventos internacionais de tecnologia e serviços de telecomunicações, o órgão avisava com antecedência o então Ministério das Comunicações – fundido hoje à pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação – sobre a necessidade de viagens dos servidores e dirigentes. “Até para esse tipo de coisa precisamos de autorização e falta autonomia”, afirma um conselheiro da agência. “Quando a passagem finalmente é emitida, paga-se o dobro ou o triplo do que a pesquisa inicial indicava”, reclama.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também foi incluído nas discussões com as agências reguladoras.
Fonte: Valor Econômico