Em uma das sessões mais tensas desde que a denúncia chegou ao Senado, a comissão processante do impeachment rejeitou a realização de uma perícia econômico-financeira e contábil sobre os decretos de crédito suplementar e as pedaladas fiscais, que havia sido solicitada pela defesa da presidente afastada Dilma Rousseff.
O colegiado, em sua ampla maioria pertencente à base aliada do governo do presidente interino Michel Temer, descartou a realização da perícia mesmo diante da manifestação favorável do relator, o senador tucano Antonio Anastasia (MG), que alegou que não haveria alargamento dos prazos ou custos financeiros, já que seriam designados técnicos do Senado para o trabalho.
A defesa vai recorrer ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. “O próprio relatório da Câmara diz que é preciso fazer diligências. A acusação deveria ser a principal interessada em realizar uma perícia. Correrão o risco de anular o processo”, acusou, indignado, o ex-ministro José Eduardo Cardozo, responsável pela defesa da presidente. “O receio é porque a perícia fará desmoronar a retórica jurídica, já que o impacto dos decretos foi nenhum. A perícia colocaria por terra os argumentos da acusação”, continuou.
Para os senadores favoráveis ao impeachment, tratava-se apenas de mais uma manobra de PT e aliados para atrasar os trabalhos – tática que o grupo pró-Dilma tem aplicado ao limite, apresentando seguidas questões de ordem e questionamentos a cada decisão do colegiado. “A perícia não vai formar juízo de valor algum. Nós somos os juízes da causa”, argumentou a senadora Simone Tebet (PMDB-MS). “É procrastinatório. O TCUjá é a suprema corte de contas”, concordou Ronaldo Caiado (DEM-GO). Para o advogado Miguel Reale Jr., um dos denunciantes, “o fato prova-se por si independente de perícia”.
Permeada de desentendimentos entre os senadores e gritaria nos microfones e fora deles, a tensão era tamanha na sessão que houve até um desentendimento entre o presidente da comissão, senador Raimundo Lira (PMDB-PB), e a advogada Janaína Paschoal, uma das formuladoras da denúncia.
Janaína criticou Anastasia por rejeitar três das cinco testemunhas oferecidas pela acusação e ainda censurou o tucano por aceitar que a defesa arrole até 40 testemunhas e concordar com a perícia. Para a advogada, tais concessões servem para “protelar” o processo para, após 180 dias, “a presidente Dilma voltar, para o caos no país”.
A fala visivelmente irritou Anastasia. Lira, indignado, rebateu: “A manifestação de vossa excelência não tem sentido. A senhora veio aqui e falou o que quis falar, pelo tempo que quis falar. O relator é um homem sério que vem dando sua vida e saúde por esse trabalho. Rejeito totalmente sua indignação”.
Na oitiva com testemunhas, o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Júlio Marcelo de Oliveira repisou o argumento de que os atrasos do governo nos pagamentos a bancos públicos se configuraram em operações de crédito, o que é vedado. “As instituições estavam funcionando como cheque especial do Poder Executivo Federal”, apontou. Sobre a análise das contas de 2015, Marcelo adiantou que devem ser concluídos hoje e apresentados no dia 15 relatórios das equipes técnicas do tribunal.
Na fase de decisões preliminares, o colegiado delimitou em quatro o número de decretos orçamentários que, junto com as “pedaladas fiscais”, sustentam o processo de impeachment. A denúncia original citava seis decretos, mas dois foram retirados das acusações na Câmara.
Apesar da decisão em contrário de Lewandowski no dia anterior, a defesa irá insistir para que os áudios feitos por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, sejam anexados ao processo.
Cardozo argumentou o presidente do STF rejeitou o recurso porque o conteúdo ainda está sob sigilo, e não por estarem fora o escopo. “Depois da quebra de sigilo, vamos voltar a pedir”, disse o advogado da defesa.
Fonte: Valor Econômico