O reajuste salarial concedido ao funcionalismo público e o grande empenho político dedicado à aprovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) – algumas das primeiras medidas fiscais do governo interino Michel Temer – despertaram mais críticas que elogios entre os especialistas consultados pelo Valor.
Em vez de reduzir gastos com pessoal – um dos grandes grupos de despesas públicas, ao lado de saúde, educação e previdência – o governo perdeu uma oportunidade relevante ao aprovar no Congresso um pacote de reajuste que incluiu carreiras no Executivo, Judiciário e Legislativo, além do Ministério Público, com impacto de ao menos R$ 58 bilhões até 2019.
“Está claro para todo mundo que você não vai resolver um déficit fiscal da ordem de R$ 170 bilhões sem atacar os grandes grupos de despesas: saúde, educação, previdência, assistência e pessoal”, diz o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco.
“Ao elevar gastos com pessoal você está encurralando [as áreas de] saúde, educação, previdência. Parece um cabo de guerra: um grupo puxando para um lado, um puxando para o outro”, diz Castelo Branco. “Mesmo que estivesse todo previsto no Orçamento, é esse Orçamento que vai nos levar a um déficit de R$ 170 bilhões. Não adianta falar como se não causasse impacto negativo”, afirma.
Marcos Lisboa, presidente do Insper, classificou a decisão como “um absurdo” ao participar de evento na sexta-feira. “Nada melhor do que, em semana que tivemos anúncio de aumento do desemprego, que à elite dos trabalhadores, sem risco de desemprego, seja concedido um aumento que custe uma CPMF”, afirmou Lisboa. “Nada como pedir sacrifício da população como um todo para beneficiar elite do funcionalismo público”, ironizou o economista.
Para Lisboa, daqui para frente o Brasil deveria perseguir uma agenda republicana, que focasse em saúde e ensino básico e nos 10% mais pobres da população. Ao todo, a despesa com essas rubricas soma pouco mais de 16% do PIB.
Gil Castelo Branco, por outro lado, critica também o fato de que saúde e educação possam crescer mais que a inflação, na proposta que estabelece um teto para os gastos públicos. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Carlos Hamilton, explicou no dia do anúncio das medidas que o gasto com saúde e educação poderá crescer acima da inflação, mas somente caso outras áreas gastem abaixo do limite – abrindo assim um espaço.
“Se você não consegue trabalhar com um teto para os grandes grupo de gastos, vai trabalhar com o quê? Com um teto nominal para passagem aérea, diária, serviços de vigilância e limpeza?”, questiona o secretário da ONG Contas Abertas.
A aprovação pela Câmara da Proposta de Emenda à Constituição que prorroga a DRU até 31 de dezembro de 2023 (PEC 87/15) também foi alvo de críticas.
“A verdade é que a DRU é um quebra-galho. O que precisamos é de uma reforma tributária, fazer um reordenamento desses impostos”, afirma o especialista, que vê um problema grave no engessamento do Orçamento dos Estados e municípios, especialmente em tempos de recessão e queda na arrecadação. “Foi importante o governo conseguir aprovar a DRU, e até esses 10% a mais, ao aumentar de 20% para 30%. Mas a DRU é o remédio para baixar a febre, não cura doença nenhuma”.
José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, a equipe econômica está “usando remédios inadequados, que não resolvem a doença maior” que, segundo ele, é a depressão econômica. “A DRU, por si só, não aumenta a receita e muito menos reduz gastos”, afirma. Na visão de Afonso, o governo interino gastou muito esforço político na PEC, para enfrentar uma “questão secundária e que o governo Dilma, no final dos últimos dois anos, enfrentou com medida provisória”, diz.
“Desvinculação só ajuda quando a economia e a arrecadação ainda estão caindo. Acho um ´luxo´ o debate público se preocupar com o que ocorrerá em uma situação futura, muito diferente e melhor que a atual, e daí fugir da questão mais premente, que é saber como se sai da depressão”, diz Afonso.
Carlos Kawall, economista chefe do Banco Safra, diz que o sinal fiscal mais importante da gestão Temer é a fixação do teto que determina que os gastos públicos não cresçam acima da inflação. Mesmo o reajuste concedido ao judiciário, na análise do economista, não feriu esse princípio. “O conceito é que você tenha a despesa subindo limitada à alta da inflação e não seguindo a alta do PIB. Os aumentos salariais foram, em tese, em linha com a inflação esperada”, diz.
Kawall destaca ainda que, na proposta do teto, não há compressão real dos gastos, que mantêm crescimento nominal. “Há a ideia de que eles mantenham o seu valor real, o que, em uma crise, já é meritório quando você tem uma brutal queda da arrecadação e um desajuste da economia”, diz. “Isso vai permitir que, ao longo do tempo, com a volta do crescimento, as despesas em proporção do PIB caiam. Você não vai cortar a despesa do governo em um dois pontos ano que vem. Mas muda completamente a trajetória: em vez de continuar subindo, passa a cair. E essa inflexão que é poderosa”, diz.
Na previsão do Safra, sem o teto a tendência seria chegar em 2019 com os gastos da União em torno de 22% do PIB. “Se você põe o teto, chega a um número dois pontos menor, e com tendência diferente. Mostrando que vai ser fazer aos poucos, mas ao longo do tempo você vai evoluir positivamente”. (Colaborou Tainara Machado)
Fonte: Valor Econômico