Em um momento em que novos riscos ameaçam a desaceleração dos índices de preços, a promessa do novo presidente do Banco Central(BC), Ilan Goldfajn, de trazer a inflação para 4,5% no próximo ano, precisaria mais do que nunca da ajuda do Ministério da Fazenda e do Congresso. A avaliação de economistas ouvidos pelo Valor é a de que a credibilidade de uma nova equipe à frente do BC, mais comprometida com o tripé macroeconômico, pode ajudar, mas a convergência do IPCA para o centro da meta, no médio prazo, depende essencialmente do que vai acontecer com a política fiscal, que hoje ainda é expansionista.
Questões climáticas, que pressionaram os índices de preços nos últimos meses, continuam presentes e ameaçam se estender ao segundo semestre. Assim, depois de um aumento de 7,2% esperado para este ano, a mediana das estimativas para o índice oficial de preços, segundo o boletim Focus do Banco Central, é de alta de 5,5% do IPCA em 2017 e de 5% em 2018. Só a partir de 2019 é que os agentes de mercado passam a estimar inflação no centro da meta.
Raphael Ornellas, economista do Banco Brasil Plural, comenta que, com um cenário fiscal incerto e em deterioração, a potência da política monetária é reduzida, o que de certa forma reduz as opções do novo presidente do BC para controlar os preços. Para ele, a equipe liderada por Ilan pode ter um ganho de credibilidade que melhore as expectativas mesmo com a inflação corrente ainda elevada, o que permitiria corte de juros já em julho.
Ainda assim, diz, o resgate da credibilidade, sozinho, não deve ser suficiente para levar a inflação para o centro da meta em 2017. Segundo ele, o ganho com a troca de governo já se refletiu sobre os preços de ativos, especialmente no câmbio. Portanto, um próximo movimento de melhora depende de que as medidas apresentadas pelo governo sejam aprovadas, ao menos em parte, pelo Congresso. “Para expectativas voltarem a cair, vai ter que ter algo de concreto no lado fiscal”, observa Ornellas.
Por enquanto, a política fiscal não é contracionista, na avaliação do Banco Central. “Relativamente ao resultado fiscal estrutural e a depender do ciclo econômico, o Comitê pondera que o balanço do setor público encontra-se em zona expansionista”, afirmou a autoridade monetária na última ata do Copom, de abril.
O avanço do ajuste fiscal é considerado o principal risco para a desinflação da economia. Para Marcos Lisboa, presidente do Insper, se o Brasil não conseguir estabilizar a trajetória da dívida pública, corre o risco de insolvência fiscal ou de volta da inflação crônica.
Há, porém, outros pontos que tornam esse processo mais vagaroso, a despeito dos dois anos seguidos de forte recessão. Para Fernando Honorato Barbosa, economista do Bradesco, a resistência da inflação também está relacionada com a evolução recente do consumo e da poupança. Em outros períodos de ajuste da economia, como entre 2000 e 2005, o peso do consumo das famílias no PIB caiu quase 4 pontos percentuais, para 60,5%, enquanto a poupança aumentou praticamente na mesma escala, o que abriu espaço para um processo de desinflação razoavelmente rápido a partir de 2002, chegando a 3,1% em 2006.
Agora, comenta Honorato, esse processo tem sido mais lento. Mesmo com queda forte do consumo das famílias, esse componente ganhou participação no PIB e chegou, nos doze meses encerrados em março, a 63,5% do produto. Como o setor público tem déficit de mais de 2% do PIB, a taxa de poupança, em vez de aumentar, caiu para apenas 14,3% do PIB. “Quando o câmbio desvaloriza, cai o consumo doméstico e a poupança cresce. Isso sempre aconteceu no Brasil, inclusive entre 2000 e 2005, mas no passado recente foi o contrário, com queda”.
O IBGE explica que o consumo das famílias ganhou participação no PIB por causa do comportamento nominal desse componente. A preços correntes, ou seja, considerando a inflação do período, a variação da demanda privada foi de 4,7% até março deste ano, contra alta de 3,3% do produto total. Já a variação do volume de produção, que desconta o efeito preço, mostra que o consumo caiu mais que o PIB: queda de 5,2% do consumo e de 4,7% do PIB. Isso porque os índices de preços para deflacionar cada um são diferentes. No caso do consumo das famílias, usa-se o IPCA. Para o PIB total, usa-se uma média ponderada de diversos índices.
Para Honorato, a expectativa de reformas, especialmente a da Previdência, pode contribuir para reverter esse processo, com aumento da poupança pública e privada. Até por isso, diz Honorato, o banco projeta que a inflação pode ficar perto do centro da meta antes do que prevê o mercado, já em 2017.
David Beker, chefe de economia e estratégia do Bank of America Merrill Lynch (BofA) no Brasil, enxerga um processo de descompressão dos preços mais lento. Até o fim do ano, diz, o IPCA deve cair para algo entre 6,7%, sua projeção central, e 7,5%, o cenário alternativo, que está ganhando probabilidade. Em 2017, o índice ficaria em 5,3%. Para ele, a alimentação, que subiu 6,6% entre janeiro e maio, segue como preocupação, com possibilidade de continuidade do El Niño no segundo semestre.
Outra ameaça para o segundo semestre, segundo Mauricio Nakahodo, economista do Banco de Tokyo, é um possível aumento de impostos, como a Cide sobre combustíveis, para ajudar no ajuste das contas públicas. “E, pensando mais à frente, quando de fato o país mostrar sinais de crescimento, é possível que o empresário tente repassar o aumento de custo represado nesse período”, diz ele. Por isso, afirma, a estimativa ainda é de IPCA em 5% em 2017.
A inércia, diz Beker, do Bofa, também tem seu peso em tornar esse processo lento. Ainda que os salários estejam em queda em termos reais, as altas nominais continuam expressivas, o que dificulta o processo de desaceleração dos preços de serviços. O IBGE complicou esse processo, lembra Ornellas, do Brasil Plural, ao alterar a metodologia de cálculo dos itens empregado doméstico e mão de obra, que ficaram mais rígidos, já que serão corrigidos pelo salário mínimo do ano anterior, com o fim da Pesquisa Mensal do Emprego.
De qualquer maneira, avalia Beker, o aumento do desemprego, que pode chegar a 13% ao longo desse ano, deve contribuir para redução do ritmo de aumento desse conjunto de itens. Outro vetor favorável é o câmbio, que tem oscilado entre R$ 3,40 e R$ 3,50 nas últimas semanas. A projeção do BofA para o fim do ano é de R$ 3,75. “Se o dólar ficar onde está hoje, esse pode ser um alívio”, comenta, ainda que os movimentos de valorização do real demorem mais a aparecer do que o contrário, quando há desvalorização da moeda.
Entre ventos contrários e favoráveis, Beker avalia que o Banco Central só deve começar a reduzir juros em outubro. O economista acredita que é melhor esperar um pouco mais e garantir reação positiva das expectativas de inflação para o ano que vem. Neste caso, o tamanho do ciclo de afrouxamento monetário poderia ser maior, especialmente se as incertezas fiscais começarem a se dissipar. Beker não descarta um corte de juros de até 4 pontos percentuais, o que levaria a Selic para 10,25% ao ano no médio prazo.
Para o Banco de Tokyo, o corte de juros deve demorar um pouco mais, até o início do ano que vem, também no aguardo de sinais mais concretos de avanço do ajuste fiscal e garantia de convergência das expectativas de inflação para o centro da meta no ano que vem.
Fonte: Valor Econômico