Boa parte do mercado financeiro e das casas de advocacia que lidam com direito administrativo está preocupada com o andamento da medida provisória 784, que amplia os poderes punitivos do Banco Central (BC) e da Comissão de Valores Mobiliários (CMV) e abre a possibilidade de acordos de leniência para os dois órgãos. Esses grupos começam uma articulação para apresentar um voto em separado, ou seja, um novo relatório distinto daquele que venha a ser apresentado pela relatora do tema na comissão.
Conforme antecipou o Valor, a relatoria da matéria ficou com senadora Lídice da Mata (PSB-BA), mesmo partido que já ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para derrubar a MP. A presidência está com o deputado Fabio Garcia também do PSB.
A tramitação na comissão é parte essencial na elaboração do texto final que vai virar lei e é trabalho do relator selecionar as emendas e ouvir as partes interessadas para apresentar um relatório que seja equilibrado tanto para o governo como para as partes envolvidas.
A estratégia por ora delineada, de apresentar um voto separado, pode ser a forma de emplacar mudanças de redação que o setor entende serem importantes. A preocupação de algumas entidades é com a redação de artigos da MP, que estariam “abertos” demais, permitindo interpretações diversas ou até mesmo revisão de punições por instâncias superiores.
Segundo um interlocutor do setor, não há preocupação com o tamanho das multas, que podem chegar a R$ 2 bilhões no caso do BC, mas sim buscar uma definição mais clara de punições e respectivas penas, bem como uma dosimetria mais explícita.
A MP foi lançada no começo de junho já envolta em polêmicas em função da delação da JBS e investigações de operações no mercado de capitais com informações privilegiadas por parte das empresas e controladores do grupo. O texto também chegou ao Congresso em meio às notícias de possíveis delações premiadas que poderiam respingar no setor financeiro.
Não bastasse o momento “delicado”, a previsão para BC e CVM fazerem acordos de delação premiada abriu uma agressiva disputa com o Ministério Público, que desde o momento da edição do texto critica duramente essa possibilidade, mesmo estando expresso no texto da MP que os acordos envolveriam apenas infrações administrativas. Em nenhum momento, BC e CVM deixariam de comunicar ao MPF a existência de condutas criminais nos segmentos financeiros e de mercado de capitais.
Na semana passada, as Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) que atuam nas áreas Criminal, Consumidor e Ordem Econômica e Combate à Corrupção (2CCR/3CCR/5CCR) se manifestaram contra a aprovação da MP 784. Em nota técnica, os procuradores questionam a constitucionalidade da medida e os acordos de leniência. O BC respondeu dizendo estar aberto ao debate.
Ainda de acordo com esse representante do setor, com a atual composição da comissão e relatoria, o esforço do governo e, principalmente do BC, para ver a matéria ir adiante sem ser desfigurada terá de ser fortemente ampliado.
Fonte: Valor