A partir da crise do sub prime nos Estados Unidos em 2007/2008 os dois mais importantes Bancos Centrais do mundo desenvolvido testaram com êxito novos caminhos para a política monetária. Em função da profunda recessão que se seguiu à crise financeira em Wall Street, novas formas de gestão da política monetária foram sendo testadas com o objetivo único de evitar uma depressão econômica que se mostrava com todos os sinais da que havia ocorrido na década dos anos trinta do século passado.
Esta busca procurava evitar os mesmos malefícios criados pela onda de quebra bancária ocorrida então e que desembocou em um longo período de desemprego e turbulências políticas nos anos que se seguiram. Certamente toda esta memória estava presente quando a economia americana entrou em colapso e espalhou seus efeitos para a Europa.
Em momentos como estes é natural que as pessoas mais lúcidas voltem seus olhos para o passado, na busca de análises que mostrem os erros cometidos e que não poderiam ser repetidos naquele momento. É o que chamamos de “hindsight”, ou seja, da possibilidade de usar os efeitos de decisões equivocadas pelo desconhecimento, à época, dos riscos que se incorria.
Pois no período seguinte à crise de Wall Street este exercício foi feito extensivamente, principalmente por economistas fora do governo. Um dos principais livros resgatados do passado foi “Stabilizing an Unstable Economy”, de Hyman P. Minsky. Este economista americano, aprofundando o pensamento de Keynes, fez uma leitura muito lúcida sobre os efeitos de crise financeira grave sobre as economias de mercado. Além de descrever como afeta o rumo normal da atividade econômica, listou uma série de princípios que deveriam ser adotados pelos gestores da política econômica para evitar o pior, como havia acontecido na Grande Depressão dos anos 30.
Felizmente suas lições foram rapidamente entendidas pelo governo americano e por alguns membros do Federal Reserve. Medidas heterodoxas, tanto fiscais como monetárias, foram tomadas pelas autoridades nos anos que se seguiram ao colapso do banco Lehman Brothers. Como sempre acontece em momentos como estes, foi um processo de erros e acertos, principalmente em relação à política monetária, até que se chegasse a uma forma orgânica de enfrentar a crise financeira e seus desdobramentos no lado real da economia.
Assim, foi construído o que se chama hoje de relaxamento quantitativo das condições monetárias, em inglês a sigla QE. Seu objetivo básico é o de, através da compra maciça de títulos do governo, inundar os bancos e o mercado financeiro de moeda provocando uma queda brutal na remuneração de ativos financeiros. Com isto, procura-se aumentar os rendimentos dos investimentos produtivos com a redução do custo de capital e a valorização das empresas nas bolsas de valores das ações das empresas. Este era um dos pilares básicos do pensamento de Keynes em seus livros sobre a depressão, que segundo ele faz parte do DNA das economias de mercado em condições extremas. Minsky explora também estas ideias com muita lucidez no que passou a ser denominado como o Momento Minsky.
Draghi levou adiante a experiência do Fed e recolocou a economia europeia na dinâmica do crescimento
O Fed foi pouco a pouco moldando sua forma de atuar e até hoje, dez anos após o início da crise, mantem uma política monetária totalmente heterodoxa em relação aos padrões anteriores. Mas o sucesso de sua atuação – a economia americana tem hoje uma taxa de desemprego próxima ao que se considera pleno emprego – permitiu ao Banco Central americano iniciar o processo de normalização de sua política monetária, com elevação dos Juros e, mais à frente, redução de sua carteira de títulos que ele comprou na fase aguda do QE.
Mas outro Banco Central de referência – o Banco Central Europeu – também está colhendo os primeiros frutos do QE que passou a adotar como política oficial a partir da chegada do seu presidente atual Mario Draghi. O gráfico mostra claramente a recuperação da economia europeia neste ano de 2017, depois de vários anos de política monetária heterodoxa. Mas gostaria de chamar a atenção do leitor para uma particularidade importante do caso do BCE.
Esta instituição sempre foi comandada pelo pensamento monetário alemão na condução de suas atividades. Este domínio germânico começa pela escolha de Frankfurt como sua sede e se completa com o domínio da ideologia econômica extremamente ortodoxa na condução da política monetária. Nos momentos iniciais da crise de 2008 o BCE era comandado por um francês, mas que, para exercer sua liderança, optou por manter as bases da política monetária ancorada rigidamente nas condições estabelecidas pelo Bundesbank alemão.
Não foi por outra razão que a crise econômica europeia foi mais profunda do que a que atingiu os Estados Unidos, inclusive provocando uma recidiva em 2012/2013. Ao meio de um verdadeiro pânico que tomou conta da Europa é que Draghi assumiu as rédeas do BCE e passou a adotar o QE como política oficial da instituição, arma do demônio para os alemães que com ele trabalhavam. No desespero da deflação e dos Juros negativos, Draghi levou adiante a experiência do Fed e recolocou a economia europeia na dinâmica do crescimento como mostra o gráfico. Seu êxito certamente vai moldar no futuro o pensamento do BCE e abaixar a bola dos rígidos economistas alemães.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.