COM O PIOR RESULTADO NAS CONTAS PÚBLICAS DESDE 1997, A EQUIPE ECONÔMICA COGITA POSTERGAR “POR ALGUNS MESES” O AUMENTO APROVADO NO CONGRESSO PARA DIVERSAS CATEGORIAS NO ANO QUE VEM. ESPECIALISTAS COBRAM CORTES DE DESPESAS NA MÁQUINA PÚBLICA
Autor: ROSANA HESSEL HAMILTON FERRARI Especial para o Correio
A equipe econômica admite a possibilidade de o Ministério do Planejamento adiar os reajustes concedidos aos servidores no ano que vem. A informação é da secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi. ‘Ainda não há uma decisão ou medida específica, mas está no radar para ajustar as contas no próximo ano’, afirmou ela, ontem, durante a divulgação do resultado primário das contas da União, quando apresentou os maiores rombos desde 1997.
Os reajustes podem ser adiados do primeiro semestre para a segunda metade de 2018. Fontes do governo contabilizam uma economia no caixa do Tesouro de R$ 11 bilhões a R$ 12,3 bilhões. Aliás, postergar os aumentos está sendo aventado pela equipe econômica nas discussões para a elaboração da Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2018, que precisa ser enviada ao Congresso Nacional até 31 de agosto.
Os reajustes acordados pelo governo com os funcionários do Executivo foram de 5,5%, em média, até 2019. O presidente Michel Temer evitou mexer nesse vespeiro. Com a inflação abaixo de 4% neste ano, os servidores obtêm ganho real, possibilitando o adiamento. Os acordos de 2016 devem custar mais de R$ 100 bilhões aos cofres públicos até 2019.
De janeiro a junho deste ano, as despesas com pessoal cresceram 11,3% acima do IPCA na comparação com o mesmo período de 2016. Considerando as projeções do último relatório bimestral do governo, divulgado na semana passada, esse gasto crescerá R$ 26,7 bilhões neste ano, passando de 4,1% para 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB): R$ 284,5 bilhões. Pelos movimentos iniciais, os servidores devem criar muita dificuldade para aceitar a proposta do governo, já que alguns pedem ainda mais aumento. O carreirão, por exemplo, que reúne a base do funcionalismo, pleiteia equiparação com a elite do serviço público, o que pode custar até R$ 16 bilhões. Além disso, o Ministério Público já está buscando reajuste de 16,7%.
‘Apagão’
O governo reconhece que será bastante difícil convencer os funcionários públicos a esperarem mais seis meses para receber o que foi acertado com o Planejamento e aprovado pelo Congresso. O assunto será tema hoje de uma conversa entre os ministros do Planejamento, Dyogo Oliveira, e da Fazenda, Henrique Meirelles. ‘O que pode se discutir está se discutindo, é a postergação de um reajuste aprovado em lei. Uma prorrogação em alguns meses, em algum período. Existe uma hipótese sobre esse adiamento que pode vir a ser estudado nesses termos. É algo que é possível de ser estudada dentro de um contexto de revisão de despesas obrigatórias’, disse Ana Paula.
A economista Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal, calculou que o reajuste das despesas com os servidores é bem maior que a arrecadação que o governo pretende com o aumento de PIS-Cofins sobre os combustíveis, de R$ 10,4 bilhões em 2017. ‘O governo precisa escolher suas prioridades. Não dá para deixar o povo sem educação, sem saúde e sem segurança. O corte no orçamento é traumático, mas chega uma hora em que é preciso fazer um ajuste por dentro da máquina pública’, emendou.
José Matias-Pereira, especialista em contas públicas e professor da Universidade de Brasília (UnB), disse que à medida que o governo vai enfrentando dificuldades, transfere o problema para a sociedade. ‘Poderia ter cortado mais ministérios, cargos e outras despesas. O dever de casa não foi e não está sendo feito’, disse.
Rombo fiscal é recorde
A piora nas contas públicas está preocupando o governo, que pode alterar as metas fiscais de 2017 e de 2018. As Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs) vigentes permitem um rombo de R$ 139 bilhões neste ano e de R$ 129 bilhões em 2018. Para alguns analistas, a tarefa é extremamente difícil e outros já descartam a possibilidade do cumprimento desses dois objetivos fiscais devido aos resultados recentes divulgados pelo Tesouro Nacional.
Ontem, o Tesouro anunciou que as contas do governo federal tiveram um rombo de R$ 56,1 bilhões no acumulado do primeiro semestre do ano, um recorde histórico. O deficit de junho, de R$ 19,8 bilhões, surpreendeu o mercado e também foi o pior da série do Tesouro, iniciada em 1997. No acumulado de 12 meses terminados no mês passado, o rombo é ainda mais assustador: de R$ 182,8 bilhões, o equivalente a 2,83% do Produto Interno Bruto (PIB). A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, tentou minimizar esse resultado afirmando que o governo antecipou o pagamento de R$ 20,3 bilhões entre maio e junho, que normalmente ocorre no fim do ano. Mas, mesmo sem essa despesa, o rombo acumulado supera a meta fiscal, pois soma R$ 167,4 bilhões, em valores corrigidos pela inflação.
O governo está divergindo para a mudança que parece ser cada vez mais inevitável se houver continuidade nas frustrações de receitas. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é contra a alteração e parece que está ficando sozinho dentro do governo ao defender a manutenção da meta. Ana Paula negou qualquer fritura de Meirelles, mas reconheceu que o cumprimento do objetivo fiscal deste ano é ‘desafiador’, mas que o governo tem condições de atingir.
‘Nosso compromisso é pleno com o cumprimento da meta. É o nosso trabalho e nós nos organizamos para isso. Estamos demonstrando todo nosso engajamento. Temos um trabalho muito grande para reverter a crise, cuja causa principal foi o desequilíbrio fiscal’, pontuou.
A receita líquida de janeiro a junho cresceu apenas 0,5%, enquanto a despesa subiu 2,7%, o que mostra que o governo continua gastando mais do que arrecada e, por isso, está no vermelho, sem condições de economizar para o pagamento dos Juros da dívida pública desde 2014.
‘Balde de água fria’
Na avaliação do economista e especialista em contas públicas Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, o risco do não cumprimento da meta fiscal neste ano é cada vez maior. ‘O resultado de junho jogou um balde de água fria nas nossas estimativas. Estávamos esperando um deficit de R$ 9 bilhões e veio quase R$ 20 bilhões em junho. Foi uma piora muito expressiva mesmo com leve crescimento na arrecadação mensal’, disse. Ele lembrou que as despesas, de forma geral, continuam crescendo apesar de o governo reduzir os gastos não obrigatórios, como investimentos, que despencaram 39,4% no acumulado do ano.
Em vez de cortar mais despesas e segurar as emendas parlamentares, o governo aposta nas concessões como salvação da lavoura. A secretária do Tesouro foi taxativa ao falar que, em caso de frustrações nas receitas extraordinárias, como concessões, não há alternativas. ‘Não existe Plano B. É preciso fazer acontecer (os leilões)’, afirmou Ana Paula, apesar de admitir que há um ‘risco provável’ de as concessões não se concretizarem como prevê o Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão fez um alerta dizendo que R$ 19,3 bilhões dessa receita extra não deve se realizar neste ano. (RH e HF)
Fonte: Correio Braziliense