BNDES como dealer surpreende mercado 

    Por Angela Bittencourt, Lucinda Pinto e Lucas Hirata | De São Paulo

    O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) começa a operar hoje como “dealer” do Banco Central (BC) no mercado aberto. O credenciamento do banco de fomento para compor, com outras onze instituições, o grupo que atuará diretamente com a autoridade monetária nos próximos seis meses, além de surpreender os participantes do mercado financeiro desperta controvérsia entre especialistas. A atuação de um banco de fomento como dealer de Banco Central é algo inédito. Não há notícia de participação semelhante em outros países.

    A estreia do BNDES como dealer focado nas operações compromissadas do BC com o mercado – representadas pela compra ou venda de títulos da carteira do BC com data pré-determinada para revenda ou recompra junto à autoridade monetária – acontece em um momento particular do debate sobre as contas públicas do país.

    A escassez de receitas decorrente do tombo do PIB em 7,5% em dois anos, apesar do controle de gastos, ameaça o cumprimento da meta fiscal deste ano, deficitária em R$ 139 bilhões. Fartamente utilizado nos governos do PT para conter os estragos da crise financeira global de 2008 na economia doméstica, o BNDES tornou-se um importante devedor do Tesouro Nacional pelos subsídios bilionários que bancaram suas operações de crédito firmadas por uma taxa de juro (TJLP) que raras vezes se aproximou do custo de financiamento do Tesouro.

    Parcela não desprezível do desequilíbrio das contas públicas é atribuída ao diferencial existente entre a taxa Selic e a TJLP, cujo cálculo inclui o risco país. Essa é uma das razões que leva o governo a defender sua substituição pela TLP como indexador de crédito do BNDES. A nova taxa estará atrelada ao rendimento de um título público protegido contra a inflação (NTN-B). Para dois gestores ouvidos ontem pelo Valor, a decisão de tornar o BNDES dealer do BC é uma forma de aproximar a instituição ao mercado e assim lhe proporcionar mais informações sobre a formação de preços dos papéis que terão eco na TLP.

    O ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, reconhece que o BNDES como dealer reduzirá os próprios custos com mais eficiência. Contudo, ele chama atenção para dimensão do estoque de títulos que o banco carrega (R$ 147,53 bilhões no 1º trimestre) “indiscutivelmente” importância para o mercado. Desse total, R$ 64 bilhões estão em operações compromissadas de curto prazo. “Isso significa 1% do PIB brasileiro”, diz Kawall, que considera quitar a dívida com o Tesouro o melhor uso que o BNDES poderia dar ao seu grande caixa. Se o banco de fomento pagasse o Tesouro com o dinheiro que está nas compromissadas do BC, haveria efetiva redução da dívida pública neste momento de restrição fiscal.

    José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV, renomado especialista em finanças públicas, não vê mera coincidência no fato de a decisão de credenciar o BNDES como dealer ser anunciada depois da MP 777, que institui a TLP – substituta da TJLP que patrocinou os subsídios do Tesouro ao banco. “Como o BNDES não vai conseguir emprestar para ninguém, com a TLP, e se defrontará com um volume imenso de dinheiro empoçado, é coerente e consistente que seja autorizado a fazer operações compromissadas. O banco vai abastecer o mercado de liquidez, ou, na hora da crise, como agora, será mais um para absorver a liquidez do mercado. Aposto que nesse caso ninguém vai acusar o BNDES de estar socorrendo ou tirando o espaço do Banco Central.”

    Tornar o BNDES dealer no mercado aberto é torná-lo mais um refém da dívida pública e a taxa de juro de suas operações também. “É paradoxalmente o oposto do que o país precisa e do que o próprio Ministério da Fazenda corretamente definiu como objetivo, que é alongar o perfil das captações de recursos e, sobretudo, expandir a oferta privada de créditos para longo prazo, de modo a quebrar a excessiva dependência do BNDES e de fontes externas de recursos”, afirma Afonso, para quem o BNDES deve ampliar o mercado de títulos privados e compromissadas do BC com o mercado.

     

    Banco de fomento pode ter ganho de eficiência
    Por Francisco Góes e Rodrigo Polito | Do Rio

    Ao passar atuar, a partir de hoje, como “dealer” do Banco Central (BC) intermediando transações com Títulos públicos em operações compromissadas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deverá colher benefícios como uma maior eficiência na gestão do caixa do banco e redução de riscos operacionais. A avaliação no mercado é que a vantagem para o BNDES como dealer do BC não será tão relevante em termos de ganhos de spread. É claro que nessa nova função o BNDES deixará de pagar um “pedágio” para outros bancos nas transações compromissadas com Títulos públicos. Mas o principal benefício para o BNDES estará na liberdade de operar diretamente com o BC sem que outros bancos saibam do volume de títulos envolvidos nas transações, disseram fontes.

    É a primeira vez que o BNDES vai atuar como dealer do BC, status concedido a cada seis meses a dez bancos e duas corretoras. Para o BNDES, o convite feito pelo BC para o banco atuar como dealer a partir de hoje e até 31 de janeiro de 2018, é um reconhecimento da expertise e da excelência técnica que a instituição alcançou em processos de gestão de liquidez de recursos. “É uma oportunidade de trabalhar diretamente com o Banco Central, nos dá autonomia operacional maior e, em última análise, pode nos dar capacidade de melhor remunerar nossa operação e nossos recursos”, disse Felipe Calheiros, chefe do departamento de cobrança e superintendente substituto da área financeira e internacional do BNDES. O presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, disse que a atuação como dealer reforça a posição da instituição como entidade financeira. “É bom entender que poucas instituições têm essa condição de dealer e isso dá proeminência”, afirmou.

    Calheiros disse que o BNDES vai atuar como dealer do Departamento de Mercado Aberto (Demab) do Banco Central, a mesa do BC para operações de liquidez. Nessa função, o BNDES atuará nas operações compromissadas de Títulos públicos federais, uma espécie de aplicação com garantia. O BNDES não vai atuar como dealer em leilões de títulos nem em operações de Câmbio. “O papel do BNDES como dealer não envolve venda definitiva de títulos nem participação em leilão de qualquer espécie de títulos. Envolve somente operações compromissadas para secar o excesso de liquidez do mercado como mandatário do BC” disse Calheiros. Ele não informou qual o montante de recursos do próprio BNDES que pode movimentar com o Banco Central nem fez estimativas de ganhos de spread do banco como dealer.

    Calheiros disse que, em contrapartida das operações que poderá fazer diretamente com o BC, o BNDES passará a atuar como dealer para outros bancos. Ele afirmou que desde que entrou no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), em 30 de junho de 2014, o banco participa todas as manhãs do chamado “go around”, operação em que o BC vai prover ou secar liquidez no mercado. O mais usual hoje, dada a liquidez existente, é que o BC entre enxugando recursos. Mas até agora o BNDES participava dessas operações por meio de outros dealers. “Agora faremos direto com o BC a parte que se refere aos nossos recursos e seremos ponte para outras instituições que não são dealers”, disse Calheiros.

    Ele avaliou que não há nada especial em ser dealer para um banco de desenvolvimento uma vez que no dia a dia o BNDES precisa gerir um fluxo de caixa que é descasado entre receitas oriundas do retorno dos empréstimos e desembolsos das operações de crédito. “Temos que trabalhar para remunerar os recursos [do BNDES] da melhor forma possível.” No papel de dealer, o banco poderá reduzir o risco operacional uma vez que, quando faz transações por meio de outros agentes, podem surgir problemas que resultem na não aplicação de recursos que deveriam estar aplicados, disse Calheiros. “Ao fazer direto com o BC, tiro nó que poderia dar problema”, afirmou. Na visão da área financeira do BNDES, a busca por uma melhor rentabilidade dos recursos do banco é um processo diário que vem sendo feito há anos e tem sido aprimorado. Mas a função primordial do dealer, destacou o BNDES, é atuar como mandatário do BC dando apoio à autoridade monetária para cobrir o sistema financeiro.

    Fonte: Valor Econômico

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