Autor: Fabio Graner e Murillo Camarotto
A equipe econômica está preocupada com os riscos de descumprimento da chamada “regra de ouro” das finanças públicas – artigo 167 da Constituição -, que proíbe o governo de emitir dívida em valor superior às despesas de capital (essencialmente investimentos) do exercício.
Com os reiterados e elevados déficits fiscais, há crescente possibilidade de infringir a norma já em 2018 – o que configuraria crime de responsabilidade das autoridades responsáveis, inclusive o presidente da República. Além disso, se a questão não for equacionada logo, dificultará bastante a vida de quem assumir o país em 2019, pois o cumprimento da regra poderá, por exemplo, exigir a paralisação da máquina pública.
Por isso, técnicos do governo continuam buscando fontes alternativas de receita e intensificaram as discussões sobre questões metodológicas a serem consideradas pelos órgãos de controle. O Tribunal de Contas de União (TCU) foi procurado semana passada por integrantes do alto escalão da equipe econômica. O objetivo é buscar uma solução conjunta para evitar que a regra seja descumprida.
O cenário amplia a pressão para que o BNDES devolva recursos ao Tesouro, que usaria esse dinheiro para pagar a dívida pública. Pela Constituição, essa amortização pode ser considerada investimento, ou seja, abre espaço para novas emissões ou financia a cobertura do Déficit. A devolução de R$ 100 bilhões ao Tesouro, no ano passado, ajudou a evitar o comprometimento da “regra de ouro” em 2017, já que a diferença entre as emissões e as despesas de capital foi menor. Também aumenta a pressão por privatizações, outra fonte que viabiliza o cumprimento da regra.
O risco de descumprimento está relacionado à queda nos investimentos, decorrente das dificuldades de cumprir a meta fiscal e agravada pelo teto de gastos, e, principalmente, à sequência de elevados déficits primários desde 2014, o que aumenta a necessidade de emissão de dívida pública para financiar os resultados negativos.
Uma análise dos últimos relatórios resumidos de execução orçamentária, documento que mostra que entre 2013 – último ano em que o Brasil teve resultado primário positivo – e 2016, a diferença entre despesas de capital (investimentos) e operações de crédito consideradas para fins do cumprimento da “regra de ouro” passou de R$ 203 bilhões para R$ 86 bilhões, uma queda de 57,6%.
O Tesouro e a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) divergem sobre a metodologia de contabilização dos investimentos. Enquanto o primeiro considera um conceito mais restrito, o segundo acredita que os aportes das estatais poderiam entrar na conta. Uma fonte, contudo, pondera que, nesse caso, também deveriam ser incluídas as operações de crédito dessas empresas.
Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) proferido em 2016 deixa claro que a regra de ouro é um condicionante para emissão de dívida e operação de crédito e seu descumprimento implica crime de responsabilidade. O documento apoia a visão do Tesouro de que o cumprimento da regra de ouro se dá sem a inclusão das estatais.
Em uma decisão proferida em 2016, o TCU constatou a necessidade de que as metodologias da SOF e da Secretaria do Tesouro Nacional para o cálculo da “regra de ouro” fossem harmonizadas.
A inclusão das estatais pode ser um fator de alívio temporário para o cumprimento da regra (a depender do volume de crédito tomado por elas). Mas não resolve o problema que está relacionado à recorrência dos déficits elevados e ao esgotamento das fontes de financiamento alternativas à emissão de dívida para cobrir o rombo fiscal.
A inclusão das estatais também levanta questionamentos sobre os riscos de o Executivo travar emissões de dívidas por elas para ajudar no cumprimento da regra de ouro, prejudicando sua gestão, e de uma postura fiscal dúbia, que as retira da obrigação de cumprir a meta, liberando espaço para investimento, mas as inclui na “regra de ouro”, beneficiando o gasto.
A secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, destacou ao Valor que a “regra de ouro” é um mecanismo fundamental da sociedade brasileira, que busca garantir a solvência fiscal ao longo do tempo e evitar que as gerações atuais, com seus gastos correntes, comprometam as gerações futuras.
“A geração corrente vai ter que viver de acordo com sua capacidade ou disponibilidade de financiar o governo em termos correntes”, disse Ana Paula. “O tamanho do Estado tem que ser aquele, para as gerações presentes, que elas estejam dispostas a financiar. É um compromisso com as gerações futuros em nossa regra mais antiga.”
Ana Paula explica que tanto a “regra de ouro” como os demais mecanismos fiscais (metas de resultado primário e teto de gastos) apontam para a necessidade de o país voltar logo a gerar superávit primários e reduzir a dívida, o que evitaria problemas como esse. “A máquina pública que gera déficits correntes vai ser difícil daqui algum tempo continuar se financiando”, disse Ana Paula. “É uma restrição forte que está posta, por meio de uma regra, que precisa balizar nossas discussões sobre como chegar à consolidação fiscal.”
A secretária lembra que enquanto a conta única tem em estoque recursos de outras fontes que não operações de crédito, como privatizações, pagamentos de dívidas estaduais, contratos do Tesouro com BNDES e outros bancos, é possível financiar esses déficits sem descumprir a “regra de ouro”, mas, se não forem resolvidas questões sobre o tamanho do Estado, como as despesas obrigatórias e a carga tributária, esses recursos chegarão ao limite e a alternativa de uma paralisação da máquina terá que ser acionada para evitar o crime de responsabilidade.
Fonte: VALOR ECONÔMICO