BOM GOSTO MUSICAL NÃO É PRECONCEITO

    Aqui em casa, logo cedo, quando Lena sai para a caminhada eu, ainda deitado, ligo meu rádio na CBN. Escuto-a também enquanto tomo o café da manhã e faço minha caminhada em nosso quintal, usando a garagem e o pátio também. Depois Lena costuma algumas vezes ligar ou o rádio da sala, geralmente na rádio MPB – FM, esta que só toca músicas da melhor qualidade, ou coloca CDs de uma grande coleção que temos. Esses dias ela decidiu relembrar canções que fazem muito bem à nossa alma, que nos enlevam e eu adoro isso. Lena tem muito bom gosto musical. Começou com antigo cd de Tom Jobim e Vinicius, depois com outro deles mais o Toquinho. A casa se encheu de alegria e a passarada agradeceu cantando junto, podem crer. Depois trocou para Chico Buarque, cd bem antigo, canções que hoje dificilmente se ouve nas rádios e nunca na televisão. No dia seguinte ela me presenteou com Fafá de Belém. A menina estava demais, não deixou por menos. Para maior alegria minha ela foi buscar do fundo do Baú um cd do ano 2000 do saudoso Jessé. Alguém se lembra dele? Que voz, que interpretação, ele tinha uma voz como nunca se viu igual.  Um dia eu lamentei que ele tivesse dito numa entrevista na TV que gostava muito de dirigir em alta velocidade na estrada. Pois pouco tempo depois ele faleceu justo num acidente de carro viajando de uma cidade para outra. Uma perda irreparável. No cd que estava tocando ele canta a música “Maria Bethânia” junto com uma das vozes mais bonitas que este país já conheceu o hoje também saudoso Nelson Gonçalves. Conseguiram harmonizar duas vozes completamente diferentes. Foi bom demais relembrar músicas como “Porto Solidão”, “Concerto para uma só voz”, “Coração de Estudante”, “Deusa da Minha Rua”, entre outras que na voz de Jessé ganham um colorido bem diferente e inigualável. Morreu tão jovem.  Mas nesses dias Lena anda mesmo muito inspirada. Continuou pesquisando em nossa coleção de CDs e me surpreendendo. De repente atacou de Aguinaldo Rayol. Que voz, que interpretações, qualidades que hoje a cada dia tornam-se mais raras em novos cantores. Se bem que há por aí uma “safra” que pensa que canta, mas quando muito espanta quem tem bom gosto musical. Minha opinião. Marlene também aprecia e muito músicas clássicas, o que no começo até me surpreendeu, hoje já me acostumei. Gosto disso. Fui habituado a ouvir música no estilo clássico desde muito cedo. Aprendi com meu saudoso pai português de quem herdei algumas qualidades, se posso dizer assim, inclusive o amor pela leitura e pela escrita. Temos vários CDs de músicas clássicas,inclusive só com orquestras. E Lena continuou a encher nossa casa de boa música, pela manhã, por esses dias todos. Hoje, justo quando decidi escrever este texto, ela colocou para tocar um cd que dificilmente alguém de vocês deve conhecer.  Explico: vocês já ouviram as lindas vozes de Rinaldo e Liriel? Ele, tenor, ela cantora lírica, ambos intérpretes da melhor qualidade. No cd do ano de 2001 ainda eram jovens e recém saídos de um programa que muitos não vêem. Refiro-me ao Sr. Raul Gil que conheci ainda jovem, cantando e contando piadas num restaurante na cidade de S. Paulo no final dos anos 60.  Também não somos habituados a assistir ao programa dele, mas no passado nós o vimos algumas vezes. Havia uma safra maravilhosa de cantores revelados naquele programa e totalmente desconhecidos do grande público porque não interessava, e continua não interessando, à grande mídia divulgá-los. A TV então “capricha” e muito, porém na divulgação do que eles consideram música e que para mim não passa de lixo cultural. Eles insistem em colocar, até em novelas, música (eu disse “música”?) cuja harmonia é um desastre ou não existe, pois seus autores nem devem saber o que é isso. Letra então elas nem têm, ou o que colocam são meras apelações, coisas e pessoas sem nenhuma expressão que surgem, dizem fazer “sucesso” (o que eu duvido) e logo somem substituídos por outro lixo cultural. Lamentável. Nossa mídia televisiva tem tudo a ver com este descalabro, fora raríssimas exceções. Por favor, não me venham com essa de “preconceito”, logo eu, de forma alguma. Há que respeitar o gosto musical de quem quer que seja, e quando se tem bom gosto, quando se conhece música ou se tem uma formação musical, seja ela popular e/ou clássica, temos que ser no mínimo exigentes, claro, e não aceitar essas imposições, a maioria delas fabricadas e sem nenhum compromisso com qualidade.   Mas voltemos às lindas vozes a que eu me referia acima. Liriel depois foi para a Itália aprimorar seu canto lírico e creio que Rinaldo também. Eu me emocionei ao ouvir os dois cantando canções como “Concerto de Aranjuez”, “Solo com te”, “Adágio”, “Tristesse”, “Canto della Terra”, entre outras. São vozes maravilhosas, porém, repito, nossa mídia não costuma se interessar por talentos desse calibre.  Em nossa casa não queremos os “tchu” nem os “tcha” da vida. Queremos sim que eles vão para os quintos do… ah, deixem pra lá. Quando dizem que o povão adora essas coisas cometem uma profunda injustiça, pois já vi a Quinta da Boa Vista cheia de gente do povo em apresentação da nossa Orquestra Sinfônica Brasileira, mais de uma vez, sem cobrança de ingressos. Quando levam a cultura ao povo ele comparece, assiste com interesse, aplaude e, quem sabe, um dia se liberta. Já pedi a Lena para, nos próximos dias, me presentear com: Burt Bacharah, Dave Brubeck Trio & Gerry Mulligan, o Cello Trio, tocando “tango brasileiro”, e nós os assistimos ao vivo aqui em Cabo Frio na Casa da Cultura certa noite. Mas ela promete também choro, muito chorinho, Ivanildo com seu sax de ouro e até a cantora portuguesa Dulce Pontes. Acreditem, temos muito, mas muito mais músicas da melhor qualidade , uma imensa barreira ao mau gosto musical.

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