CHICO BUARQUE II, O RETORNO

               Havia afirmado aqui que a melhor definição sobre Chico Buarque havia sido feita por Millor Fernandes ao dizer que o compositor tornara-se a única unanimidade nacional.  Nada mais apressado. Comecei a mudar de idéia quando vi a Fafá de Belém, no RJTV do dia 19 de junho – data do aniversário do artista – dizer que é impossível alguém possuir tamanha criatividade. E completou: o Chico não é um ser humano. É um ente! Uma entidade! Passei a considerar então que a cantora estava com “carradas” de razão.             Entretanto, só agora, depois do seu aniversário, quando comecei a degustar tudo o que foi dito e publicado por ocasião da passagem dos seus 60 anos de vida é que, finalmente, o descobri:             Para começar, Chico Buarque pode ser visto diariamente, a partir das 12:30h, caminhando ligeiro, sozinho, de short e sem camisa pelas praias de Ipanema e do Leblon para manter em dia a forma física dos seus 1,79m e 70 kg. Depois, enquanto toma uma água-de-coco – que é paga religiosamente com o dinheiro que leva contado – posa para fotografias ou dá autógrafos a quem solicita, geralmente, gente de fora.             De uns anos para cá deixou de varar madrugadas em bares e parou de beber pesado. Hoje, contenta-se com vinho no jantar e uma ou outra grappa. Além do que, os cigarros estão reduzidos a apenas oito. Entretanto, diz que fuma apenas três, porque ouviu dizer que cinco cigarros diários não fazem mal algum. A drástica redução é resultado de uma das duas promessas realizadas num Ano Novo: a de NÃO parar com o vício.             O compositor não usa celular, não gosta de comprar roupas, não admite seguranças à sua volta, não tem motorista e locomove-se com seu Honda Civic de dois anos atrás. Personal Training? Personal Styler? Nem pensar! Apenas uma secretária e, obviamente, o empresário.               Ao contrário do que dizem, não é nem um pouco recluso. Nenhum outro artista pode ser visto com tanta freqüência e regularidade pelas ruas do Rio.  Gosta de se misturar à vida da cidade, ir à farmácia, freqüentar a padaria, caminhar no calçadão.             É a única personalidade que as “Caras” nunca conseguiu fotografar e possui a única casa de artista que não se abriu para as lentes da revista. Numa época de fabricação em séries de duvidosas e insuportáveis “celebridades”, optou – há muito – por não fazer nenhuma concessão. Trava uma ferrenha luta par manter sua privacidade. No mais, vai a escola de samba, à casa de amigos, lê muito, vai aos cinemas, almoça aos domingos com a família e passeia com os netos no shopping. Mais comum? Impossível!                Sua incrível criatividade estende-se as molecagens. E como para muitos o futebol é sua maior paixão, é nesse campo onde podem ser colhidas algumas das suas melhores passagens. Quando o seu time, o Polytheama (expressão grega que significa Grande Espetáculo) está ganhando de goleada, o que não é raro, Chico fala alto para os companheiros, de forma que os rivais possam ouvir: “vamos fechar a defesa, pois 10 a zero aqui nesse campo não é nada!”.  Sentindo-se reconhecido no Uruguai por um motorista de táxi inventou ser filho do antigo goleiro Manga, naquela época um ídolo por lá. Num bar em Colatina (ES), ouviu de um sujeito: – Ué, eu conheço o senhor. É da Tv, né? Livrou-se, explicando que era o novo técnico do Colatina e estava procurando uma cobertura para alugar. Mas, não fica por aí. No interior paulista, fingiu-se de sul-africano ao se registrar num hotel. Diante da incredulidade da recepcionista, inventou na mesma hora um idioma para convencê-la de que falava a verdade.  Quando criou o pseudônimo de Julinho da Adelaide para driblar os censores, chegou a dar entrevista para o jornal Ultima Hora reclamando que “o Chico Buarque” está faturando em cima do meu nome “. Como prêmio à ” corajosa” entrevista, passou a colaborar com palavras cruzadas para o jornal assinando como a mãe do compositor, Adelaide Kuntz, moradora da Favela da Rocinha que adotou o hobby antes de ficar paralítica. E como simples mortal? Será que tem algum medo? Sim! Que os seus netos o olhem como nós enxergamos Olavo Bilac hoje. Com respeito, desinteresse e estranhamento. Pelo descrito aí em cima, é que se vê que Chico Buarque é muito mais do que uma unanimidade ou uma entidade. O que ele deseja, faz questão, consegue e disso não abre mão é permanecer tão humano e comum, como eu ou como você. E ser apenas mais um na multidão. 

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