DO NOBEL À GUERRA

    No dia 11.10.2002 esta notícia estava em todos os jornais: “OSLO – A Real Academia acaba de anunciar, em Oslo, o nome do ganhador do Prêmio Nobel da Paz 2002. É o ex-presidente americano Jimmy Carter. O ex-presidente dos Estados Unidos fez jus à referente honraria “por trabalhar pela paz e pelos direitos humanos ao redor do mundo”. Carter derrotou um número recorde de 156 candidatos ao prêmio, instituído por Alfred Nobel. Carter, um democrata, foi presidente dos Estados Unidos de 1977 a 1981.” Sobre Carter, o noticiário ainda afirmava: “O ex-líder americano conquistou o prêmio “por seu incansável trabalho como ex-presidente na tentativa de levar a paz do Haiti à Coréia do Norte”, segundo Gunnar Berge, presidente do comitê Nobel. Berge disse, também, que a escolha de Carter foi uma forma de criticar a política do presidente George W. Bush, que recebera, na madrugada do mesmo dia, autorização do Congresso Americano para possível ataque ao Iraque.” Realmente o mundo testemunhou, com diferença de poucas horas, a duas decisões completamente antagônicas, em locais distintos, marcando posições e ideais também em direções opostas. Jimmy Carter já fora indicado várias vezes ao prêmio. O democrata esteve perto de ganhar o Nobel da Paz em 1978, quando o primeiro-ministro de Israel, Menachim Begin, e o presidente do Egito, Anwar Sadat, dividiram o referido prêmio pelo acordo de paz intermediado pelo mesmo Carter, então presidente dos EUA. Carter, ao visitar Cuba, este ano, tornou-se o primeiro grande vulto da política americana a tomar esta atitude, desde 1959. Ele esteve com Fidel Castro, em Havana, e, ao mesmo tempo que condenou o embargo imposto pelos EUA a Cuba, também pediu, a Fidel, eleições diretas e deu seu apoio a um referendo sobre reformas políticas no país caribenho. Desde que deixou a Casa Branca, ele vem se dedicando incansavelmente aos esforços de paz, tendo se revelado um excelente mediador. Em sua coluna, em 12.10.2002, na Tribuna da Imprensa, com o título de “Um político com lugar de honra na história”, o jornalista Mário Augusto Jakobskind ressalta: “O mandato de Carter foi marcado também pelos seus esforços para atenuar as áreas de conflito no mundo.” Aqui mesmo na América Latina, Carter teve influência em se fazer respeitar os direitos humanos, num momento em que predominava o esquema linha-dura que assassinava e torturava presos políticos, esquema este que contava com o sinal verde de Washington, sobretudo no período do secretário de Estado, Henri Kissinger, que por sinal também já ganhou um Prêmio Nobel, juntamente com o representante da República Democrática do Vietnã, (então do Norte), Le Duc Tho.” O jornalista afirma ainda: “Quando a história deste período conturbado for contada, digamos, dentro de 100 ou 200 anos, Jimmy Carter terá lugar de destaque, comparando-se com outros presidentes norte-americanos, principalmente o atual, George W. Bush. Este, que ainda nem completou o mandato e se elegeu de forma no mínimo duvidosa, ficará no lado oposto do de Jimmy Carter.” Saltemos de Carter para Bush. Vocês me perguntarão: “Mas, por que falar de Bush, se o grande laureado é Jimmy Carter?” Eu respondo: “Vocês sabiam que o Sr. George Bush também estava inscrito, oficialmente, como candidato a este Prêmio Nobel da Paz??…” Não me perguntem como pode ser isso, o problema não é meu. Afinal Bush parece só ter uma idéia fixa: guerrear, guerrear, guerrear. Enquanto isso a economia americana despenca em fraudes bilionárias com inúmeras empresas falindo. Só este ano já foram 113, das negociadas em bolsa, com um total de US$ 149,3 bilhões em ativos postos sob proteção judicial. Isto corresponde, na legislação americana, ao estágio de concordata. Em 2001, primeiro ano do Governo Bush, segundo o noticiário internacional, 255 empresas americanas puseram US$ 260 bilhões em ativos sob proteção judicial. Como o povo americano tem a cultura, boa por sinal, de investir em ações, sempre confiou na indestrutibilidade de suas maiores empresas, centenas de milhares de acionistas viram, de um momento para o outro, seus investimentos reduzidos a pó. O desemprego, que já vinha assustando a cada mês, fez mais alguns milhares de vítimas com o fechamento de várias empresas das maiores do mundo. Até o superávit deixado por Clinton, US$ 236 bilhões, já no primeiro ano da administração Bush se transformara em déficit de US$ 126 bilhões. Para este ano de 2002, analistas americanos, no começo do ano, previram que o déficit poderá ser de US$ 167 bilhões. Em resumo, parece que ele não consegue fazer bem a “lição de casa”. S. Excelência, no entanto, se arroga o direito, a autoridade, de ditar regras, dar conselhos, fazer ameaças à toda a humanidade e a querer influir no destino de certos povos, quando seus auxiliares palpitam até sobre o processo eleitoral brasileiro. A “lição contra o terrorismo”, no Afeganistão, nem sequer foi completada. Desconhecem onde se encontra o Sr. Osama e outros líderes do grupo terrorista da al- Qaeda. Por sinal, o noticiário internacional do dia 13.10.2002 dava conta do resultado das eleições no Paquistão, e ele vem a ser um fator altamente complicador para as intenções americanas naquela região. Leiam, por favor: “ISLAMABAD – Os primeiros resultados das eleições gerais no Paquistão, divulgados ontem, indicavam um forte desempenho de partidos radicais islâmicos, bem como de uma coalizão de facções religiosas que apóia o movimento Talibã e tem sua base em províncias da fronteira com o Afeganistão. Com uma plataforma fortemente antiamericana, que pregava o fim do apoio do Paquistão à campanha contra o terrorismo no Afeganistão, uma coalizão de seis partidos radicais obteve ampla maioria no Legislativo no Noroeste do país, segundo dados da comissão eleitoral.” “Analistas avaliam que a conquista de mais cadeiras pelos partidos religiosos não deve ameaçar o manutenção de Pervez Musharraf na Presidência, mas pode forçá-lo a repensar sua aliança com Washington contra o terrorismo. O resultado das eleições parlamentares pode ser uma séria ameaça aos esforços dos Estados Unidos de perseguir seguidores do Talibã e do al-Qaeda, já que os partidos religiosos provêm, em sua maioria, das regiões tribais próximas ao Afeganistão.” Entretanto o Sr. Bush arma-se para uma nova guerra. Esta será também contra um outro “inimigo”, mas que também já foi muito amigo e forte aliado, e serviu aos interesses americanos, dos quais recebeu todo o apoio, inclusive armamentos, para derrotar o então regime do Irã. Voltando ao Sr. Jimmy Carter. Ele se disse “agradecido e honrado” por ter sido agraciado com o Prêmio Nobel da Paz 2002 e afirmou à rede CNN: “O trabalho da Fundação Carter foi uma maravilhosa contribuição ao mundo nos últimos 20 anos”. E ainda enfatizou: “Não tenho dúvida alguma de que este prêmio levará a população a pensar sobre a paz e os direitos humanos.” Enquanto isso, o Sr. Bush ameaça ignorar alguma decisão que venha da ONU e que possa contrariar suas imediatas intenções bélicas contra o Iraque. Sadam nunca foi santo, não o é agora e nem quando foi aliado dos EUA, mas antes de se declarar uma guerra, que pode pôr em risco o destino da humanidade, há que agir antes com equilíbrio e bom senso, aliás recomendados por alguns de seus ex aliados e pela própria ONU. Mas o Sr. Bush sequer pretende esperar a anunciada visita dos mais de 100 inspetores da ONU ao Iraque, já acordado com aquele governo. Segundo declaração do mesmo Sr. Bush, em 11.10.2002, “”não há mais opções para o regime do Iraque, e os Estados Unidos estão decididos a fazer do mundo um lugar mais pacífico””. Ora, amigos, quem fala em paz, pacifismo, ou quer passar a imagem de que é pacifista, tem que professar a doutrina, o sistema ou ter o sentimento daqueles “que se empenham pela paz universal e pelo desarmamento das nações.” Não é o caso aqui. Peço sua atenção para essas palavras do grande escritor americano Arthur Miller (“A morte do caixeiro viajante”), ao jornal francês “L’Express”, em 12.10.2002, e reproduzida em O GLOBO, de 13.10.2002. Disse ele, entre outras coisas: “A democracia está ameaçada. O governo Bush é vergonhoso, isolou os EUA e representa uma ameaça. É preciso rezar para que Bush não invada o Iraque, porque, assim que a força aérea estiver sendo utilizada em qualquer lugar, todos os direitos fundamentais serão menosprezados, o país se unirá atrás de seu presidente e vai parar de pensar.” A Real Academia, em Oslo, na Noruega, certamente gostaria de destinar ao Sr. Bush um prêmio também, mas este ainda não existe. Se existisse só poderia ser algo como o Prêmio Ignóbil da Arrogância, e quiçá, do Belicismo.      

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