É MENTIRA?

    O correspondente internacional Lucas Mendes, ex-Globo, contou que Jo Hamlett, prefeito de Mount Sterling, cidade com 59 mil habitantes no Missouri, virou notícia quando anunciou que baixaria uma lei determinando a prisão de quem mentisse na cidade.Informou o repórter, que o prefeito toda manhã tomava café no AJ Bar and Grill e se irritava com algumas histórias que ouvia: era um caçador que havia matado 12 veados num dia usando arco e flecha. Eram outros dois que pegaram um rato tão grande que só a cauda pesava um quilo e meio. Mas, a “campeã” e ao mesmo tempo a gota d’água, foi a de um jovem que conseguiu descobrir de onde partiu um tiro que passou raspando na cabeça dele seguindo pelo buraco do nevoeiro a trilha da bala. O prefeito decidiu, então, aplicar multas nos mentirosos. Lembrou o jornalista que, quem cresceu ou passou férias em cidade pequena, conhece o tamanho do tédio naquelas tardes intermináveis. Em Pitangui (MG), continuou Lucas, a mentira era fundamental e se tornou uma arte incentivada pelo prefeito Morato. Um dos mestres, Darcy Campos, trabalhava meses numa mentira. Certa vez decidiu convencer um vaidoso que ele era idêntico ao Rodolfo Valentino. Com ajuda de alguns amigos, aos poucos, o vaidoso que não tinha nada do ator ítalo-americano se convenceu que era o homem mais bonito do mundo. Mudou o penteado, o bigode, comprou roupa nova, estudou os gestos do ator, andava e falava como rei do cinema mudo. Durante muito tempo, tentando seduzir as moças e contando vantagens sobre suas conquistas, matou o tédio das tardes e fez a alegria de Pitangui.Em vez de multar, o prefeito Jo Hamlett deveria criar o prêmio Mount Sterling para a melhor mentira. Colocaria a cidade dele no mapa, concluiu, Lucas Mendes.Se a sugestão virar realidade, possuo um candidato imbatível para vestir a “amarelinha” da seleção do Brasil nesse campeonato. Eis a razão da minha certeza:Num final de tarde em Friburgo, estávamos reunidos na barbearia perto de casa quando “seu Machado”, caminhoneiro famoso na cidade, “adentrou ao recinto” para fazer a barba. Media quase dois metros, pesava uns cento e vinte quilos e estava na casa dos cinqüenta anos. Sua presença significava a garantia de uma boa história. O barbeiro ajeitou a cadeira para o “chegante” e puxou assunto: – “E aí seu Machado? Muitas novidades?” A frase era a senha de ele podia iniciar alguma nova narrativa.- “Não!… Não tenho não… A única novidade é que descobri no Paraná um tipo de cobra que possui uma mordida que pode deixar a pessoa cega”.        – “É seu Machado! ?!?!? – … E como foi a descoberta?” – Foi a pergunta geral.- Aconteceu depois que parei para jantar num restaurante de um posto de gasolina na estrada para Curitiba. Já estava na saída quando o garçom, meu amigo há muito tempo, correu esbaforido avisando:- “Seu Machado, tome cuidado! Tão dizendo que tem uma cobra por aqui que, se picar a pessoa em qualquer parte do corpo, o sujeito fica cego na hora!”.Machado limpou o pigarro e prosseguiu com a narrativa:- “Agradeci, mas nem liguei! Estava muito cansado! E como tenho mania de dormir à beira da estrada, estacionei o caminhão no acostamento, debaixo de uma árvore bem de frente do posto de gasolina. Como gosto, arrumei minha cama do lado de fora e fui dormir”.        – E aí… ? – Perguntou o barbeiro já impaciente.        Fazendo suspense, seu Machado se ajeitou na cadeira, fez nova pausa e emendou:- “A minha sorte é que tenho o sono leve! De madrugada ouvi o rastejar de um bicho nas folhagens e acordei. Quando deu para distinguir alguma coisa, só vi aquela boca aberta com duas garras afiadas vindo em minha direção. Mesmo deitado, dei um salto para cima de não sei quantos metros e fui parar no teto da cabine!… Você precisava ver! A danada da dentada da cobra passou raspando em mim… Pensa que o bicho perdeu a viagem?… Deu uma picada no pneu dianteiro com toda força e desapareceu no meio da noite”.O silêncio que antecedeu ao “grand finale” era absoluto. Sim, por que todos conheciam o currículo do contador de histórias e previam que o melhor ainda estava por vir. “Seu Machado” então se recostou de novo na cadeira, afrouxou o colarinho e pausadamente fulminou: – “Vocês podem nem acreditar, mas – de lá para cá – o farol daquele lado do caminhão nunca mais acendeu!”. 

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