E O “RISCO EUA” ?

    Numa fase em que tanto se fala em “risco Brasil” gostei da idéia do excelente jornalista Carlos Chagas, da Tribuna, em sua coluna na edição de 27.06.2002, e decidi pegar, digamos, uma carona nela. Afinal, é notório: se há algum “risco” em relação ao futuro da economia de nosso país, ele não reside na vitória seja de Ciro Gomes, seja de Garotinho, ou seja de Lula. Isso é uma balela em que alguns ainda acreditam. Acontece que há muitos brasileiros que não analisam nada, não examinam nada, não pesquisam nada, mas adoram se deixar levar pela opinião dos outros. Nesses outros estão pessoas bem intencionadas, mas também muitas que desejam apenas tumultuar o processo e até aquelas que adoram soltar alarmes falsos. O pior é que o próprio governo e alguns de seus sisudos ministros têm colaborado com este clima. Do jeito que anunciam certos possíveis “riscos” com o resultado das próximas eleições, sem apresentar provas ou justificativas palpáveis para sua pregação meio terrorista, eles acabam se parecendo com o FBI a aterrorizar o povo americano. Estes, de quando em vez, deram de prevenir a população contra “possíveis atos de terrorismo”, mas não dizem onde, nem quando, nem garantem que aconteçam, apenas geram um certo pânico, o que é natural. No final nada acontece, mas o medo fica. Quando teriam que ter realmente prevenido o povo americano e tomado providências, falharam feio e deu no que deu, lamentavelmente. Parece que os homens de nosso governo decidiram copiar esses exemplos adaptando-os ao seu jogo desleal e até inconseqüente. E é aqui que entro com a matéria do jornalista Carlos Chagas, acima referida. Perguntou ele: “Por que não falar no ‘risco EUA’?” Ele se referia, em princípio, a possíveis atentados no dia 04/julho passado, apregoados pelo FBI, que o governo dava quase como certos, mas nada aconteceu. E seguiu comentando: “Porque riscos, de verdade, correrão os milhares de cidadãos brasileiros porventura encontráveis fazendo turismo em Nova York ou Washington, sem falar nas centenas de milhares que lá trabalham.” “Imagine-se o ministro Pedro Malan chegando aos EUA na semana em que novas manifestações desses execráveis Abdulas poderão acontecer. Em vez de tirar os sapatos no aeroporto para mostrar que não traz explosivos plásticos, o czar da nossa economia deveria portar declaração rebaixando aquele país no ranking para viagens e investimentos nacionais, porque quem garante que uma bomba-suja não explodirá no Times Square? Ou que, ao visitar a Estátua da Liberdade, nosso querido ministro não se arrisque a virar pó, junto com o símbolo maior dos americanos?” Com algumas pitadas de ironia e bom humor ele prossegue: “Se conseguir chegar ao hotel, na hora de abrir a correspondência, Malan não se arriscará a respirar pó de antraz? Se tiver algum investimento particular, quem garante a preservação de suas ações após Wall Street ter-se transformado em imensa cratera?”  O analista de política internacional, Argemiro Ferreira, não apenas mais um brasileiro vivendo em Nova York, porém um respeitado e muito lido jornalista que também faz comentários em algumas edições dos noticiários do canal da GNT, na NET-A Cabo, da Globo, referindo-se ao primeiro, da série de escândalos em grandes empresas americanas, dizia em 25.06.2002: “O escândalo fora de controle” – “A receita de modernidade que permitia a ela (Enron) bancar carreiras políticas e campanha presidencial era simplesmente fraude e corrupção. Quando o público descobriu essa verdade traumática, os executivos ladrões já tinham vendido todas as ações que puderam. Mas os americanos ficaram chocados com o estrago deixado por eles: acionistas e empregados que, em alguns casos, perderam economias da vida inteira.” O desemprego alcançou 20.000 pessoas. Mais adiante afirmava Argemiro: “E o escândalo, afinal, despertou a profunda desconfiança atual dos investidores em relação às corporações e seus CEOs. Uma cadeia de eventos assim não acontecia desde a década de 1920, segundo um analista. Depois da Enron e da Andersen, vieram muitos outros escândalos. Só nas últimas semanas atingiram a Tyco International, Rite Aid, ImClone Systems, WorldCom e Qwest Communications.” Acrescente-se agora também a Xerox, por enquanto. O grande empresário brasileiro, Antônio Ermírio de Moraes, vice-presidente do Conselho de Administração do grupo Votorantim, em entrevista ao O Globo, em 03.07.2002, preocupado, dizia: “As fraudes na contabilidade de grandes companhias americanas podem levar o mercado a uma crise de proporções semelhantes ao crash de 1929.” E seguiu dando um alerta: “E se os Estados Unidos pararem de importar, a Alemanha quebra e o Japão também.” Como se vê, pelas palavras de pessoa que tem autoridade para dizê-las, afinal o “risco EUA”, proposto por Carlos Chagas, não tem nada de absurdo ou fantasioso. Com as denúncias de relacionamento muito próximo de autoridades ligadas ao governo americano com a Enron, desde que estourou o escândalo da falência desta, percebe-se que a situação é realmente muito grave. Leiam o que escreveu o jornalista americano Paul Krugman, no “New York Times”, em 02.07.2002, com o título de “Todos ficaram ultrajados.” Esta matéria saiu em vários jornais brasileiros também. Escreveu Krugman: “Os negócios feitos por Bush na época (1989) com a Harken Energy são semelhantes aos escândalos contábeis descobertos na Enron e outras companhias, que minaram a confiança nas empresas e derrubaram as bolsas.” Eu sugiro uma leitura atenta daquele artigo que apresenta denúncias também referentes ao vice-presidente americano. Basta acessar, por exemplo, a edição “on line”, de O Globo, do dia 03.07.2002, à página 29, do Caderno “Economia”. Até o megainvestidor (ou será megaespeculador?!) George Soros, fazendo palestras em Londres, no começo de junho, afirmou: “Não há confiança no jeito que a administração Bush trata a economia mundial. A queda da cotação do dólar é um voto de desconfiança dos investidores do mundo. A administração Bush está fazendo uma política similar à da administração Reagan do início dos anos 80, que é a de aumento de déficit do orçamento e expansão dos gastos com defesa.” O dólar havia se desvalorizado fortemente em relação ao Euro naqueles dias. No dia 05.07.2002, vários jornais abriram espaço para comentar sobre as falências de empresas americanas. O Globo, por exemplo, repassava esta informação da “Bloomberg News”: “O número de falências nos EUA aproxima-se da quebra de seu recorde pelo segundo ano consecutivo.” E seguia informando: “Este ano, até agora, foram 113 empresas negociadas em bolsa, com um total de US$149,3 bilhões em ativos postos sob proteção judicial, o que, na legislação americana, corresponde ao estágio de concordata.” E não parou por aí o noticiário assustador: “A este valor devem se somar em breve os US$ 103,8 bilhões em ativos da WorldCom, controladora da Embratel, que admitiu ter escondido despesas do balanço para inflar seus lucros. Em 2001, 255 empresas americanas puseram US$ 260 bilhões em ativos sob proteção judicial.” Pelo visto, até esta crônica ir ao site, poderemos ter mais alguma grande empresa a confessar os mesmos “erros contábeis” e a caminhar para a falência. Juntando-se todas essas informações temos ou não motivos para atender ao que sugeriu o jornalista Carlos Chagas: criar o “risco EUA”? A mim parece muito lógico até. Mas, aproveitando a carona de sua matéria, apreciemos os comentários finais da mesma, que novamente se voltam para os aspectos de eventuais ameaças terroristas na América: “Não será, essa realidade, um grave fator de risco? Vai dar para acreditarmos no dólar se as verdinhas estiverem submetidas à súbita desvalorização, caso Fort Knox se veja atingido por uma bomba daquelas que se fabrica no quintal das mansões da Máfia? Quais os efeitos de um avião-suicida lançado sobre Harvard, ou de sementes de plantas carnívoras espalhadas em profusão no Central Park?” “Eis aí, então, o antídoto para mais esse ataque especulativo lançado sobre o real e sobre nossa economia fragilizada: a criação do "risco EUA", que o Banco Central poderia instituir numa semana em que Armínio Fraga tivesse viajado para almoçar com George Soros. Com a vantagem de que, se temem a futura eleição do Lula como pretexto, poderemos muito bem alegar que lá a catástrofe já aconteceu: ou George W. Bush não está eleito, empossado e governando faz algum tempo?” Pois é. Isto tudo sem considerar que o atual governo americano tem planos de se lançar em várias aventuras de guerra, unilateralmente, sem respeitar a opinião dos demais membros da ONU. Nunca se viu coisa igual. Até o premier britânico, Tony Blair, parece que cansou ou teve as orelhas puxadas, sei lá. O fato é que, pela primeira vez, após 11.09.2001, votou contra os interesses beligerantes do Sr. Bush, na ONU. Da minha modesta postura de um aprendiz de escritor, permito-me cumprimentar o jornalista Carlos Chagas, que muito admiro, pois o “risco EUA”, por ele suscitado, torna-se a cada dia uma realidade incontestável.

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