ERA UMA VEZ NO OESTE

             O meu pai, ao me deixar como herança a paixão pelos faroestes, me ensinou que existem três requisitos básicos para um bom filme do gênero: começar com uma briga no “saloon”, o “mocinho” só portar um revólver (duas armas é um artifício de pistoleiro de aluguel), e duelo final, onde o mais perverso dos bandidos é derrotado sem sequer conseguir sacar.            Li numa biografia do John Wayne que ele, com 52 anos, passou a não querer mais usar chapéus em seus papéis. E, como a lembrança de que tenho dos “mocinhos” é que eles cultivavam cabelos ondulados (que nunca se descompunham), brilhantes e com topete caindo na testa, fiquei com a impressão de que a razão de o herói aparecer poucas vezes com a cabeça coberta nos antigos faroestes foi um dos diferenciais para os novos filmes do gênero. Incluo nessa conta o ítalo-americano “Era uma vez no Oeste”, cujo ótimo título se contrapõe à chatice do filme.  Mas, existem outras características em que os antigos filmes são inigualáveis.             “Mocinhos” só trocavam de roupa quando a camisa rasgava por causa de uma briga. A calça e a ceroula eram “introcáveis”. Uma vez ou outra tomavam banho em banheiras com água comum a todos. Dormiam vestidos, com o chapéu tapando o rosto e acordavam prontos. Calçavam as botas, jogavam água na cara e montavam em seus cavalos, sem ir ao banheiro, a margem do rio ou a uma moita mais próxima, dependendo de onde tinham dormido.              Os heróis de filmes antigos eram extremamente ardilosos. Lembro de um que ficou encurralado entre dois bandidos, que logo iniciaram a contagem regressiva para que ambos começassem a atirar no herói ao mesmo tempo. Um por trás e o outro pela frente: três, dois … UM! Só que no “UM”, o herói se abaixou e o bandido da frente matou o de trás e vice-versa.            “Mocinhos” antigos não ligavam para esse negócio de almoço e janta. Deve ser por isso que possuem silhuetas impecáveis. E, geralmente, quando se alimentavam o faziam acampados ao relento, em torno de uma fogueira, esperando anoitecer. Aí, comiam feijão em quantidade que não rendia três colheradas. Bebiam bem, mas nunca perdiam a linha. Gostavam de fumar cigarrilhas que eram acesas por fósforos que riscavam em qualquer lugar.              Heróis de filmes antigos não possuíam lar e família. Se ocupassem o cargo de xerife, moravam em hotel. Do contrário, viviam no celeiro de algum rancho ou debaixo de uma árvore nas montanhas, onde todo o “mobiliário” que necessitavam para viver, estava preso na cela do seu cavalo que possuía QI altíssimo e que era chamado por meio de assobios entre os dedos.                “Mocinhos” que se prezavam possuíam passado nebuloso e não revelavam de onde vinham. Tinham sempre um amigo que aparecia na hora “H” para salvá-los das enrascadas e utilizavam o seu revólver de coldre de madrepérolas que nunca falhava e não ficava sem balas, para “limpar” a cidade dos malfeitores, duelar e vencer o pistoleiro contratado para matá-los. Nesse ínterim, destruíam corações femininos, roubavam beijos, mas não se comprometiam.               Final decente de filme de “mocinhos” mostrava o herói montando em seu cavalo e partindo da cidade sem olhar para trás. Enquanto cavalgava, solitário, para qualquer destino que lhe proporcionasse novas aventuras, cantarolava uma canção. Até desaparecer no horizonte, era acompanhado por um já saudoso e sonhador olhar de uma linda mulher e por um barulhento vira-lata que não se cansava de latir.

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