HISTÓRIAS QUE ESTÃO NA VIDA

    Sabem que além dos variados temas que eu costumo usar quando escrevo gosto muito de contar histórias, embora não me considere um contista como outros que conheço e que são realmente bons.Já contei a história de um senhor que tinha então 98 anos, português e que certa manhã eu conheci na barraca “Baleia Azul”, no Posto Dois, aqui em Cabo Frio. O dono da barraca que é pessoa simples, porém que gosta muito de ler, apresentou-me o referido personagem que sozinho lançava seu olhar perdido para o mar, além das dunas. Fizemos amizade e logo ele começou a falar sobre sua longa vida.Lembro-me que essa história gerou meses depois um segundo capítulo quando o amigo da barraca me falou sobre a tristeza e a morte do prezado patrício o que nos abateu por demais. Afinal ele parecia tão cheio de vida quando o conheci, e tinha tanta confiança de que chegaria aos cem anos que a notícia me chocou muito. Algum parente parece que o teria internado numa Casa de Repouso e sendo ele um homem ainda muito ativo, lúcido, independente, não deve ter suportado aquele isolamento. Triste fim para uma pessoa que amava muito a vida e a natureza.Outra vez conheci um senhor, quando lanchava no intervalo de nossas compras num supermercado daqui. Achei curioso que ele ia de mesa em mesa, falava algo com as pessoas, colhia umas latinhas de refrigerantes, as punha num saco e seguia em frente. Eu o observei por alguns minutos. Minha curiosidade me atormentava. Quando o cidadão se aproximou de minha mesa e perguntou se podia levar a latinha vazia indaguei para que ele a queria. Sério, mas simpático ele me respondeu que com elas completava sua aposentadoria para poder pagar o tratamento de sua esposa, também de idade avançada, visto que a aposentadoria era muito pequena. Emocionei-me e logo imaginei como eu reagiria se estivesse na situação dele. Escrevi então e divulguei, “Latas Vazias”.Meses antes eu conhecera na praia umas meninas de pouca idade que estavam vendendo amendoim em saquinhos. Chamei-as e conversamos. Elas me contaram que faziam aquilo para ajudar a mãe, mas que estudavam na parte da tarde perto de casa. O pai havia abandonado a família e o único irmão, mais velho que elas quatro, andava metido com más companhias e preocupava muito sua mãe. Foi outra história que também me comoveu demais escrever. Dos que me lêem há muito tempo quem não se lembra da crônica “No Circo da Praia”? Havia um cidadão que se vestia de palhaço e todo verão usava um carrinho de mão no qual levava guloseimas para distribuir a crianças que procurava ajudar. Explico melhor: ele se preocupava com a criançada que corria para todo lado, que ia até o mar sem ter sobre eles e elas a atenção dos seus pais. Algumas acabavam perdendo a referência e na volta não conseguiam encontrar a barraca onde estava sua família. Isto é lamentável, mas ainda acontece hoje durante o alto verão.Um dia decidi filmá-lo e entrevistá-lo para um vídeo que eu desenvolvia sobre o verão em Cabo Frio. Ele concordou e assim conheci bem o famoso “Chupeta” que existia sob as vestes do palhaço. Eu não sabia que sua vida estava por um fio. No mês de Janeiro, do ano seguinte, eu o vi triste, mas lá na parte de cima, na rua, buscando a sombra, sem descer para a praia, ao sol, embora vestido com as roupas habituais de palhaço. Já não estava passando nada bem. Pouco tempo depois eu fiquei sabendo de seu falecimento. Mais emoção para eu somar a tantas outras de histórias da vida das quais participei e contei em textos diversos.Histórias que a Natureza me ofereceu eu já contei diversas. Acompanhei o nascer de passarinhos em nosso quintal, o passeio de alguns deles entrando em nossa casa, voando à vontade por vários cômodos e depois saindo e até um que certo dia aqui entrou, dormiu e somente saiu na manhã seguinte. Lembram? Já narrei até a tristeza da morte de passarinho em nossas mãos quando deram o último suspiro. Essas histórias de vida eu nunca as guardo só para mim.Há poucos dias estava no Hortifruti fazendo as compras do mês junto com Lena. Cada um de nós tem sua “área de atuação”, claro que a dela é bem maior. Ao terminar a minha parte repeti o que faço sempre: encostei o carrinho das compras numa coluna perto de uma das mesas da lanchonete, pedi um copo de água de coco e ali me sentei observando o vai e vem das pessoas.De repente surgiu à minha frente uma menina de dez anos, simpática, tendo pousado em seu ombro direito um lindo periquito de cores variadas ostentando uma bela crista, também colorida. Chamei-a e perguntei se era de brinquedo. Não, era de verdade mesmo. Interessei-me em vê-lo mais de perto.Logo chegou a mãe da menina e ambas se sentaram à mesa perto da minha. Puxei conversa e logo fiquei sabendo o nome do periquito, era Pity. Aparentando muita tranqüilidade ele me olhou e nem se importou com a minha presença ali. Até pareceu me dedicar um sorriso, se me permitem fantasiar.A senhora me disse que ele era da raça “calopcita”. Falei-lhe que nós gostamos muito de animais, qualquer deles, e que temos três lindos cães. Daí pra frente o papo foi conduzido com mais alegria e logo fiquei sabendo que ela também tem outros em casa. Aliás, ela tem uma Pousada no bairro da Gamboa, do outro lado das pontes, no caminho à direita de quem, seguindo pela esquerda vai para as praias da Concha e do Peró.Trocamos cartões e chegando a casa visitei o site da Pousada daquela senhora www.pousadagreenway.com.br vale uma visita, eu garanto. A Gamboa é um bairro antigo, residencial. Oferece uma boa tranqüilidade e está perto de tudo. Depois tive a curiosidade de conhecer melhor a linhagem do novo amigo, o Pity, o periquito.Busquei nos meus dois dicionários e logo encontrei isto: “Grande periquito cacatuídeo (Calopsittacus novae-hollandiae), nativo da Austrália, de plumagem cinza com penas brancas nas asas, cabeça amarela com manchas vermelhas ao redor dos ouvidos e penas caudais longas e finas”. Descrição perfeita com o que eu vi. Então o nosso lindo Pity é de linhagem australiana. Ao nos despedirmos no Hortifruti passei para elas o meu endereço de e-mail e o meu site pessoal. Prometi também que escreveria sobre aquele encontro, pois no fundo, no fundo, amo contar histórias, por mais singelas que sejam. E afinal tanto o Pity quanto sua “família humana” o merecem. Gostei de conhecê-los.

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