NASCIMENTO E SILVA, 107

    O bairro mais charmoso do país, não merecia o domingo 25 de abril reservado para a comemoração dos seus 110 anos. Choveu o dia todo. Possivelmente, derramando lágrimas de saudades por Leila Diniz e Albino Pinheiro. Não sendo possível na data, imagino que o estatuto ipanemense estabeleça que as festividades sejam transferidas para o final de semana que contiver exuberância suficiente para comportar o charme e o esplendor de Ipanema.E nem foi preciso esperar muito. O Dois de Maio, domingo seguinte, nasceu, viveu e morreu com os atributos necessários: céu azul, temperatura “no ponto”, pôr do sol digno de aplausos e luar de apaixonados.  Pelo que representou culturalmente, não foi o píer de Ipanema – lugar mais quente do Rio de 1970 a 1972, cujas “dunas do barato” foi freqüentada até por Gilberto Gil, ministro do atual governo – o endereço mais famoso do bairro. O seu local mais emblemático é o número 107 da Rua Nascimento e Silva, por onde morou por muitos anos o compositor Tom Jobim. Na intensidade que gostavam de álcool e música o ilustre compositor e seus convidados, o local foi um dos berços da bossa-nova e é bem possível que tenha sido o responsável pela fortuna de alguns vendedores de uísque. Foi tão importante que inspirou Vinicius e Toquinho a comporem uma canção sobre o endereço. Da Nascimento e Silva conta-se pelo menos duas “passagens históricas” proporcionadas por duas de suas “figuraças”: solteiro convicto e famoso no bairro, um falecido arquiteto chamado Hugo, cismou de oferecer um almoço aos seus inúmeros amigos de copo no seu apartamento da Rua Nascimento e Silva. Depois de ter preparado separadamente os ingredientes em pequenas panelas, o “gourmet” percebeu que faltava o principal: um caldeirão que coubesse todos os apetrechos para que fossem cozinhados juntos, como ensina as melhores receitas de uma suculenta feijoada. Durante aquela tarde, todos comeram a iguaria – principalmente, beberam – e despediram-se satisfeitos. Entretanto, o anfitrião nunca mais conseguiu se livrar do apelido de Hugo Bidê.Para os moradores de Ipanema nem Tom, Vinicius, Albino Pinheiro, Leila Diniz, nem ninguém. A celebridade do bairro foi o finado Roniquito, irmão da Scarlet Moon. Fora da bebida um gentleman. Intelectual de recitar Boudelaire em francês. Ainda nos primeiros copos, irresistível. Meio “alegre”, ferino. Após outras doses, inconveniente. Colocando pelo “ladrão”, simplesmente insuportável. O cartunista Jaguar conta que não acreditando no que se dizia sobre a figura, resolveu acompanhá-lo num sábado de madrugada. Foram expulsos de sete bares.Em plena vigência do golpe de 64, Roniquito compareceu a uma festa em que estava presente um truculento general signatário do AI5.  Não se sabe se intencionalmente ou não, o herói desta estória, ao ficar perambulando pelo salão com o indefectível copo de uísque na mão, deu dois encontrões com o militar, desculpando-se. Na terceira, o homem não aceitou as mesuras e perguntou em voz tão alta, que chamou a atenção dos presentes: – O senhor sabe com quem está falando? .- Não. Não sei.  Respondeu com calmamente  o nosso personagem.- NASCIMENTO E SILVA! – Vociferou o general.Foi então que, sob um silêncio ensurdecedor, todos os olhares, ouvidos, microfones e holofotes ficaram esperando pelo troco, realizado de imediato: ·.- Esquina com que rua…?

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