PAIXÃO DE CAROLINA

     Há poucos dias eu telefonei para Lisboa, Portugal. Até aí nada de mais, afinal tenho bons amigos por lá e de quando em vez nos falamos. Mas naquele dia eu estava mais uma vez emocionado pois, como faço todos os anos, ia cumprimentar uma boa amiga, um anjo de pessoa, por mais um aniversário. Nós a conhecemos no ano de 1989, primeira vez que eu e minha saudosa esposa fomos morar por longo período, quase um ano, na Europa. Alugamos um apartamento na rua Almirante Barroso, muito bem localizado para nossas saídas a pé pela cidade. Ficamos logo amigos de Carolina, aquela senhora simpática, com uma educação refinada, e que era uma espécie de zeladora do prédio. Aos cuidados dela estava toda a limpeza das escadas, pelos cinco andares, além de outras tantas tarefas das quais ela se desincumbia com muito desvelo. Sua idade à época? Setenta anos. Conversávamos todos os dias, assim como costumeiramente a convidávamos para rápidos passeios e um lanche ao final da tarde.  Ela adorava comer uns docinhos e tomar sumo de pêssego. Não tinha problemas de colesterol nem de glicose. Sua disposição para o trabalho era invejável. Fazia questão de trabalhar, tinha horror de se reformar e nada fazer. Brincávamos com ela sobre a possibilidade de vir a ter um namorado. Ela se divertia muito. Tinha filhos já crescidos, um casal, ambos haviam formado suas famílias e ela tinha dois netos. Orgulhava-se deles. Quando a visitavam ela explodia ainda mais em felicidade. Naquele ano viajáramos para Lisboa pelo transatlântico Eugênio-C. Lembro-me que para a volta ao Brasil tivemos que ir numa viagem longa e cansativa, de ônibus, até uma cidade ao sul da Espanha para embarcarmos.  Era final de Novembro, chovia e fazia bastante frio naquela manhã bem cedo. O ônibus sairia por volta das 7 horas. Carolina fez questão de estar junto conosco, ajudar-nos com a bagagem até a Estação Rodoviária que ficava perto de casa. Foi uma despedida comovente. Prometemos que voltaríamos. Realmente três anos depois estávamos novamente em Lisboa, então por seis meses. Alugamos um outro apartamento numa rua próxima à anterior. Nossos encontros eram constantes. Carolina já fazia parte de nossas vidas. Quando estávamos no Brasil telefonávamos para ela de quando em vez.  Assim foi tanto em 1992, como em 1995 e depois em 1998. Neste ano estava sendo realizada em Lisboa a Expo-98. Havia muito que visitar, muito que ver, muito que curtir. Fomos lá diversas vezes e em algumas delas Carolina estava conosco. Ela continuava trabalhando no mesmo endereço em que a conhecemos em 1989. A amiga costumava chamar Zezé carinhosamente de D. Zezinha. Carolina nos acompanhou também em passeios mais longos, tanto de comboio quanto de ônibus. Nos anos de 1995 e 1998 voltamos a morar em Lisboa porém mais longe da amiga, mas íamos visita-la sempre e vez ou outra saíamos com ela como antes. Chegamos a conhecer seus filhos e netos. Para o Pedro mando sempre  os meus convites quando lanço crônicas inéditas ou atualizo meu site pessoal. Após a quarta morada em Portugal, faz já 10 anos, não voltamos lá. Em 2003, como sabem, Zezé partiu deste mundo. Telefonei para Carolina e ela não conseguiu esconder sua emoção triste e muito sentida. Eu ficara então viúvo e ela perdera uma grande amiga, com certeza.  Naquele ano Carolina já havia deixado de trabalhar. Não que o desejasse, apesar da idade, mas porque um tombo que tomara de uma escada criou-lhe problemas de locomoção e ela foi morar com sua filha. Continuamos a falar-nos todos os anos. Outro dia quando telefonei para a cumprimentar por mais um aniversário ela não estava na casa da filha, com quem morava há alguns anos. Havia saído com seu irmão que agora mora no Alentejo. Minha alegria não foi completa mas soube que ela está muito bem, obrigado, na altura dos seus 89 anos.  Carolina, que tem Paixão no nome, também tem no sobrenome, Santos. Santos que herdei de meu saudoso pai português. Mais uma afinidade dessas que talvez a vida não explique, porém configura uma raiz a mais para sustentar essa amizade que começou há exatos 19 anos.  Para você, paixão de Carolina, deixo aqui esta minha singela homenagem e uma promessa, quase certeza, quem sabe, de podermos comemorar juntos os seus noventa anos. Saúde, paz e muito amor para você, querida amiga.

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