POR QUE ESCREVO?

    Este tema quem me ofereceu de bandeja foi o bom amigo Francisco Coimbra, patrício, que vive nos Açores, na Ilha de S. Miguel, cidade de Ponta Delgada, e que habitualmente me dá a honra de comentar meus textos. Inteligente, muito bom na prosa, excelente no verso, o xará sabe lidar com as palavras como poucos. Outro dia ele me escreveu e anotou isto: “Hoje recebi como desafio escrever sobre o tema "Porque escrevo?", caso o tema te inspire, transpira o resultado.” – E cá estou eu fugindo da incompetência, a ver se minha apetência literária, modesta, mas com um apetite em boas palavras, fugindo da literatagem, me sugere um pequeno banquete vocabular à altura do tema proposto. Em homenagem ao bom amigo vamos então a quatro mãos, pois minhas duas podem não dar conta do recado e o enigma em questão permanecer sem solução. Vamos ler o que escreveu o bom xará Coimbra sobre o tema: “Porque escrevo acho que consigo perceber melhor toda a gente, mesmo se esta afirmação a faço apenas… porque escrevo. Todos os personagens do mundo, todas as pessoas que conheço, cada um dos que me lê, espero possam muitos e muitas ainda não ter nascido, são testemunhas esfíngicas deste enigma. Resolve-lo, é o motivo porque escrevo.” Quando escrevo, caro Coimbra, como você, creio também perceber melhor as pessoas, até pelo que me escrevem comentando os textos divulgados.  Por outro lado, sinto que toco, e toco até profundamente alguns corações. Estes me emocionam, e fazem mesmo meus sentimentos se liquefazerem me premiando com gestos de bondade e reconhecimento. Sei que, como você, escrevo também para muitos que nem conheço, que nem sei onde estão, mas que me lêem e me retornam.  Isto eu descubro quando chegam ao meu monitor, o que antes seriam cartas ou telegramas em minha caixa de correios, e-mails com nomes e endereços antes desconhecidos. Sou sentimental, nunca neguei e nem me envergonho de o ser, e coisas assim acabo classificando como “enigmas” de um modesto escriba que com palavras jamais pensou em abraçar o mundo. Até onde voarão minhas palavras? Agora faço uma pausa respeitosa na criação deste texto, desligo o forno da criação, para ler seus versos que têm tudo a ver, como cá se diz. Silencio e me curvo respeitosamente ao poeta que se expressa com a luz da inspiração que não acende aos seres comuns:  ALIMENTOescrevo porquea palavra se suspendee pende como fruto maduroonde levo a minha fomeatrás do apetiteperseguindo esse alimentoAssim. Para escrevermos havemos que sentir fome de saber e sede de dizer, assim. Doce e bendito fruto que sacia nosso apetite e comunica nossos mais profundos sentimentos. O poeta traduziu a verdade nos seus versos … “perseguindo esse alimento”.  O poeta verdadeiro vagueia e devaneia na graça, no encanto, no belo, no feio, em tudo que a vida nos oferta sem que a maioria das pessoas sequer o perceba. O poeta não escreve somente no que pensa ou no que sente, mas no que lhe vai além da alma.  Como eu escrevi no artigo “Poesia”, em Março/2001: “A poesia está também fora de nós, ao nosso redor, ou como diz um amigo meu: “A poesia está no ar, na Natureza, na mulher, no homem, na flor, na mão que se estende à caridade, na tragédia das guerras, na vida, enfim, na morte.” Fugi do tema? Não, apenas quis reverenciar o mesmo amigo, Francisco Coimbra, excelente na prosa e mestre nos versos.  Por que escrevo? Por que o amor me inspira, o medo me corrói, a paz me enleva, a vida me presenteia com histórias de todo tipo, a morte me faz falar de saudade. Escrevo desde muito jovem, já profissionalmente, aos 17 anos, no rádio paraense, onde eu mesmo lia meus textos ao microfone. Meu fã mais ardoroso e implacável crítico era meu saudoso pai, português. Dele herdei a escrita.  Acima de tudo escrevo porque amo escrever. Não procuro o tema, ele está em volta de mim, rotineiramente, antecede ou precede o ato, basta meus sentidos estarem ligados. Claro que não sou especialista em qualquer assunto, faço questão de não o ser, nem permito que me cobrem atitudes seja sobre o que for. Este enigma foi não só um presente como um desafio que aceitei de bom grado. Foi diferente. Voltemos ao bom amigo Coimbra. Vejam que primor de escrita:  “Escrevo porque… se não escrevesse, o que poderia dizer do que faço neste momento antecedente da escrita (?) onde a_penas… penso, imagino, crio "macaquinhos no sótão" desejosos de conhecer a vida e ler os pensamentos que se procuram.” Repito que para mim, escrever é viver, deixar falar a alma, o coração, nem sempre a razão. Hoje não escrevo “a penas”, claro, porque digitamos o que nos flui do pensamento neste teclado de uma máquina infernal num mundo inteiramente virtual. Digitar é hoje sinônimo de escrever. Mas tudo começou, para mim, numa velha máquina de escrever no escritório de meu pai Manuel Mário. No “sótão” do meu atual “telhado branco” planto e vejo germinarem idéias que colho aqui e acolá. Mas escrevo porque também a vida é a maior parceira que tenho. Quando já escrevi a quatro mãos, como agora, só o fiz com amigos talentosos, pois minha modéstia sempre me permitiu reconhecer e valorizar os pensamentos que se procuravam e se encontravam na palavra sem dono. Por isso escrevo e escreverei sempre. Espero ter transpirado bem o resultado do tema. Francisco Simões (a quatro mãos com o amigo Francisco Coimbra) Novembro/2010. 

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