QUEM FAZ A LÍNGUA É O POVO

    O título deste texto eu o retirei de uma declaração que ouvi um cidadão português dizer no programa “Milionários”, comandado pelo excelente José Carlos Malato, hoje, o melhor apresentador da Televisão Portuguesa, com certeza. Eu assisto ao programa, à noite, pela RTPI, a emissora Internacional da RTP. Por sinal que o referido senhor acabou sendo o vencedor da noite, exibindo uma boa cultura geral. Ocorrera uma pergunta onde na resposta estava o tal “Acordo Ortográfico”, documento que tenho chamado de DESACORDO ORTOGRÁFICO e que o nosso Millôr Fernandes taxou de algo bem pior quando um jornalista português lhe perguntou o que pensava daquilo. Para quem não leu ou não se lembra, repito aqui que Millôr respondeu com essas palavras: “Este Acordo é uma m…..” Claro que no jornal luso a palavra saiu com todas as letras. Eu o aplaudi, pois sou visceralmente contra essa ingerência externa de senhores de fardões que se julgam donos da mais rica expressão lingüística do planeta. Afirmo sem receio de errar.  Voltando ao programa, o vencedor disse que um dia, na Universidade, ouvira de um professor esta correta expressão: “Quem faz a língua é o povo.” De imediato o apresentador Malato disse sentir falta agora do “c” mudo em palavras como facto, acto, directo, acção, reacção, etc. Eles sempre escreveram e falaram assim e o apresentador reagiu contra este tipo de ingerência por concordar com o professor universitário citado. Mostrou-se mesmo indignado com o tal “Acordo Ortográfico”. Estou com ele, aliás, sempre estive, desde que começaram a intentar contra os hábitos e costumes dos povos que falam português, no que se refere à língua.  Há umas semanas atrás eu conversava sobre o assunto com um grande amigo, também aposentado do BB, economista, professor universitário, que foi meu presidente na PREVI, e ele assim se expressou: “Entendo que a língua de um povo é a expressão mais alta de sua cultura.  Como unificá-la?  Acaso podemos ser tão idiotas a ponto de querer fazer uma a cultura de povos distintos, com histórias próprias, vidas mais longas, etc.?  Coisa de quem não tem o que fazer de melhor.” No meu entender o bom amigo disse tudo, não deixou nenhuma dúvida, e ganhou também os meus aplausos efusivos. Já escrevi de forma crítica, valendo-me de pronunciamentos de pessoas as mais ilustres e respeitadas, principalmente no que concerne à cultura em Portugal, caso de Vasco Valente Correia Guedes, que é ensaísta, escritor e comentador político português, intelectual dos mais conceituados em terras lusitanas. Aliás, ele lançou o Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa, Contra o Acordo Ortográfico, que já conta com mais de 115 mil assinaturas. Permito-me citar aqui mais uma declaração do ilustre escritor moçambicano, Mia Couto, em uma entrevista: "Do ponto de vista literário, não acho necessário, acho dispensável, terei dificuldades em escrever da maneira nova e acho que grande parte dos argumentos que foram feitos a favor do acordo são argumentos falsos", disse o escritor moçambicano. —   "Muitas vezes se argumenta que este acordo é necessário porque os nossos países (CPLP) viviam distantes e agora a nova ortografia comum vai aproximar-nos. Acho que isto é uma mentira", afirmou Mia Couto, que é igualmente biólogo. No momento vejo com tristeza a emissora RTPI ter que mudar, em programas transmitidos ao vivo, a expressão que sempre usaram, ou “Em Directo”, para “Direto”. Outro dia uma apresentadora chegou a ser, assim creio, obrigada a justificar tal modificação. Felizmente tenho visto outras vezes que o “c” mudo continua aparecendo em mensagens da emissora sobre a programação. Seria uma espécie de “Desobediência Ortográfica”? Tomara que seja, pois eu, de há muito estou inscrito nas fileiras de luta contra este despropósito que é o tal Acordo.  Sobre desobediência lembro aqui o que inseri no texto que vai abaixo para sua leitura (ou releitura) e que foi por mim divulgado em Janeiro/2009: "Aos olhos de quem leu a História, a desobediência é a virtude original do homem. A desobediência permitiu o progresso – a desobediência é a rebelião.” – Quem disse isso? Nada menos que o irreverente e grande poeta e escritor inglês Oscar Wilde, autor de “O Retrato de Dorian Gray” (1891). Já vejo de algum tempo para cá, além das inúmeras reações contra o Desacordo Ortográfico, alguns companheiros que também escrevem, correrem a aderir a regras que prefiro ignorar, e o farei sempre. Enquanto alguns já aboliram apressadamente o “trema” eu prefiro não tremer ante ameaças de pessoas que insistem em impor regras de cima para baixo quando, como disse o ilustre professor universitário luso, “quem faz a língua é o povo”… e eu completo, não fardões de Academias que jamais tiveram procuração dos povos que se expressam em português para ditar regras sobre como devemos escrever e/ou falar. O texto que lhes ofereço à leitura, ou releitura, aqui embaixo, é o “NÃO TREMA, QUESTIONE”, divulgado em Janeiro/2009. Nele há declarações diversas contra o famigerado Desacordo. Já divulguei outros textos sobre o mesmo assunto, mantendo sempre a minha posição.  Outro dia certo amigo que se diz contra o Acordo, “mas”… (este mas é que atrapalha a credibilidade de quem o usa em tal circunstância) e tentando me convencer que mesmo “sendo contra” o iria cumprir, disse não ver no Brasil tanta reação contrária àquele documento como em Portugal e outros países que também usam nossa língua.  É evidente, meu caro “Watson”, embora haja sim muitas reações e você é que não as tem acompanhado, por outro lado nós temos por aqui esta execrável capacidade (?!) de nos adaptarmos rápido, em atitude de um certo capachismo, a quase tudo que nos é imposto. Via de regra, muitos por aqui preferem aceitar o cabresto do que questionar sua injunção. Lamento, mas é verdade. Para encerrar, deixo a pergunta, talvez, para alguns, difícil de responder: “Por que jamais, em tempo algum, alguém, ou algum grupo de literatos ingleses, não se preocupou em sugerir unificação na forma de falar e de escrever de americanos, ingleses, australianos e outros?” — Talvez a resposta esteja neste comentário que retirei do mesmo jornal português que publicou o artigo do jornalista Desidério Murcho. Leiam, por gentileza: "Em primeiro lugar, porque não há qualquer necessidade de unificação. Os britânicos escrevem “analyse”, os norte-americanos “analyze” (ver aqui algumas das diferenças ortográficas entre o inglês norte-americano e o britânico). A nenhum americano, inglês ou australiano ocorre unificar ortograficamente a língua inglesa, e ainda menos fazê-lo por via legislativa à Salazar, precisamente porque são gente que prezam a liberdade e odeiam a interferência arbitrária da legislação na vida das pessoas." Desculpem-me, por hoje eu cansei. Um dia eu volto a este assunto. “Munição” tenho bastante, arquivada comigo.

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