RESPINGOS NA VIDRAÇA

    Para mim os ditados populares são irrefutáveis. Assim, não discuto que, sobre assuntos “filosóficos” como “religião, política e futebol”, cada um deve “procurar jogar sua bola, contudo, nunca deixando de respeitar o adversário”. Os que me são próximos sabem que também detesto passar por “analfabeto desinibido” e abordar – publicamente – temas que sei mais por ouvir dizer, do que propriamente por conhecer razoavelmente. Nestes casos, encontram-se as discussões sobre os produtos transgênicos, eutanásia, reforma sindical, essas coisas que, para qualquer lado que se vá, sempre se desagrada à metade. E não é apenas pelo desconhecimento. No meu caso, alguns desses assuntos são de difícil compreensão e aceitação. Vida após a morte é um deles.  Toda vez que me surpreendo questionando a morte, tento rapidamente desviar o pensamento para outro assunto, porque ao contrário do que eu imaginava aos 18 anos, “essa coisa de morrer” é inevitável.  E, paradoxalmente à minha ojeriza pela matéria e com tanta “vida acontecendo lá fora” a cada fração de segundo, foi no interior deste macabro tema que encontrei assunto para esta semana. Concorrem para agravar as causas dessa melancolia estes períodos frios e chuvosos deste outono, típicos de inverno, e as inúmeras lembranças que teimam em se refletir na vidraça daqui da janela de frente para a rua, onde os respingos da chuva e o uivo do vento me levam – dentre as imagens de maior saudade – à visão do rosto de um falecido e grande amigo, que não se cansava de classificar – em tom jocoso – dias londrinos como estes, como ideais para se cometer um assassinato.Atribuo a esse baixo astral, apesar do tempo já decorrido, a resquícios que ficaram da primeira visita que realizei em anos e sob a mão segura da Célia, minha esposa, ao cemitério no último Dia de Finados. Contudo, trata-se, apenas, de uma mentirinha que conto para me satisfazer.Ficou a impressão que a minha aversão ao assunto aumentou muito quando ao receber as condolências de colegas pela morte do meu pai, alguns deles alertaram para a mesma realidade: “daqui para frente esse tipo de notícia vai se tornar comum em nossas vidas”.Se essa verdade é difícil de ser digerida, no dia do enterro houve um lado light, proporcionado por uma tia que, depois de me confessar os seus 82 anos (são passados mais de dez e ela continua “vivinha da silva’), vaticinou: -” “nós ainda vamos ter que comparecer a muitos enterros…”.  Pelo jeito…E por falar do meu pai recordo que dele ouvi a melhor definição do que representa a morte, ao lhe perguntar sobre um dos seus distantes irmãos, o Manoel:- “Manoel? Manoel morreu! Acabou!”.Entretanto, andei comparando o “acabar” dele, a uma folha que despenca da árvore e fica estendida na calçada. Sem vida, se despedaça, apodrece e desaparece. Imediatamente, surgiram dúvidas: será que tudo acaba assim? Com essa deselegância? Trancafiado dentro de casa, novamente olhando a chuva respingar a vidraça e sem nada para me distrair, reviro a estante da sala e descubro intocados dois livros que ganhei de presente que abordam um único tema: a vida depois da morte. Desconfiado passo a achar que muito mais do que uma coincidência, suas presenças podem significar algum alerta, aviso, desvendamento de segredos, sei lá!  Li ambos. E não posso negar que começo a descobrir as verdades escondidas nas entrelinhas de outra sábia conclusão popular ao ensinar que “existem mais mistérios entre o céu e a terra, do que podem supor as minhas vãs filosofias”.   

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