Roleta Brasileira

    No país em que “o jogo é proibido” joga-se em tudo e de todas as formas. Isto todo mundo sabe. Mas vamos mergulhar nesse assunto mais profundamente. Temos vários tipos de jogos, além dos lotéricos:  temos o jogo de cena, o jogo das palavras, o jogo de empurra,  o jogo da mega, o jogo gestual, o jogo de prendas, o jogo da bolsa, o jogo da bola, o jogo da justiça cega,  o jogo do bicho,  o jogo do jogo etc. O jogo de cena e o das palavras têm inúmeros adeptos. Destacam-se os políticos, alguns com cursos de mestrado no exterior,  portanto com mais competência para jogar. Ambos os jogos podem ser apreciados nas arenas do chamado horário eleitoral gratuito, em palanques pré-eleitorais, nas tribunas de Assembléias, Câmaras e Congresso. O poder se vale algumas vezes dos jogos de cena e de palavras para explicar o inexplicável, justificar o injustificável, iludir o desinformado, impor o inaceitável, aprovar o reprovável, evitar o desejável. O poder costuma jogar duro e é bom estrategista, manipulando sempre sua fiel e amouca tropa de choque. Dificilmente perde nesse jogo. O gestual teve um campeão quase olímpico que chegou ao píncaro do poder. Sua trajetória foi breve e quando o jogo estava quase perdido, qual um corifeu em desgraça, usou um ás que surrupiara de um parceiro e bradou: “Não me deixem só”. Mesmo assim ainda saiu do jogo com um lucro considerável e carregou todas as fichas que pode. Quando o jogador tem apenas 4 dedos na mão não pode arriscar mais promessas que outros. Mas já houve quem, no jogo  gestual, por abusar dos 5 dedos, excedesse os limites de sua memória ou de sua determinação. Acabou por fechar a mão para todos, menos para os que o ajudavam a bancar o jogo, por isso mesmo conhecidos como banqueiros. Muito freqüente é o jogo de empurra. Um alto mandatário, digamos, a nível de Governança, retira-se do jogo por ter terminado o seu tempo. Ele estaria devendo algo em torno de uns 4 bilhões de reais. Como neste jogo ninguém obriga alguém a saldar compromissos ele já empurra a dívida para o sucessor. Este costuma passar pelos estágios dos jogos de cena e da palavra e por fim, acaba por acumular o dobro da dívida do jogador anterior. Como as regras são muito flexíveis ele  empurra o débito para aquele que o sucede no jogo, e este vira um moto perpétuo. O jogo da bolsa é arriscado, é só para especialistas que jogam alto. Suas regras são rígidas, mas “nahas” impede que de chofre,  num ardil caviloso, agindo qual naja traiçoeira, alguém quebre a banca, ou a bolsa, e saia sem “najinha” sofrer. O jogo de prendas é usado em situações específicas. Digamos que quem tem mais força, mais poder de barganha, precisa desesperadamente de ganhar. Um grupo de jogadores faz então o anti-jogo, ameaçando-o com a derrota. Isto é parte de uma estratégia. O que não pode perder acena com brindes, prendas e as põe na mesa. A turma do anti-jogo resiste,   valorizando a negociação. Daí chamarem também este jogo de “toma lá, dá cá”. Por fim todos ganham, quer dizer, todos, aqueles, menos a imensa maioria que sustenta a banca. Tradicional é o jogo da mega. Parece, mas nada tem a ver com o jogo da mega-sena. Esta é da Loteria, a outra mega é da Lomania. Brasileiros sempre jogaram atirando: temos o melhor futebol do mundo ( ou tínhamos), temos a maior plataforma de petróleo do mundo ( com certeza tínhamos), temos a maior dívida do mundo (absolutamente certo), temos o maior Congresso do mundo em representatividade ( oh!) e assim por diante. O jogo da justiça-cega costuma ser bancado com algumas cartas marcadas. Quem não tem cacife não joga, costuma é ser jogado, às feras. O jogo do bicho teve sua fase áurea, hoje tem a concorrência desleal  do jogo oficial. Os que bancam este têm uma arrecadação de fazer inveja aos ultrapassados banqueiros zoológicos. E vamos aos jogos da Loteria. À parte as intermináveis raspadinhas, fixemo-nos na mega-sena. Em outras loterias do gênero, na Itália, na Espanha, em Portugal, a rotina é o prêmio maior ser pago todas as semanas. Acumular duas ou três semanas é um caso excepcional, e mais do que isso é raríssimo. No Brasil é justamente o contrário. Prêmios chegam a acumular 6, 7 semanas, rotineiramente. Temos um potencial de apostadores infinitamente maior do que Portugal, por exemplo. Aqui há uma população de 170 milhões de pessoas, em Portugal ela ronda os 14 milhões. Nossos apostadores devem ser uns desgraçados caiporas tal o seu azar até nesses jogos. Sem o apostador não haveria o jogo, mas este sócio imprescindível e fiel é alijado dos lucros do jogo do jogo. O montante de dinheiro acumulado por várias semanas é aplicado. O banqueiro recebe os altos rendimentos. Entretanto, aquele seu sócio maior, o imprescindível, sequer é lembrado na distribuição dos dividendos. A César o que é de Paulo, de João, de Maria, de Irene, de Márcio, de Roberta, de Luís, de José, de Jorge, de Jomar, de Amaro, de Inês, de Bruno, de Francisco, de Lúcia, de Rita….. Enquanto isso vamos jogando a infância no desamparo, a juventude no descaminho, a velhice no desvalimento, na indigência. Joga-se com a honra, com a vida, com os sonhos, com a esperança, com a boa fé,  com o futuro das pessoas. Joga-se periodicamente na roleta da política. Este é que tem sido o verdadeiro jogo de azar.

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