SAUDADE DE JOÃO SALDANHA

    Nunca antes eu escrevi sobre futebol, mas hoje vou abrir uma exceção. O Sr. Felipão, técnico da seleção brasileira, disse e repetiu em várias entrevistas que o time que entrasse em campo contra a Malásia, no jogo treino, seria aquele, titular, que jogará contra a Turquia na primeira partida deste mundial. Muito bem. Mesmo discordando do trabalho dele, tenho que respeitar suas decisões, democraticamente, e torcer para que esteja certo e eu errado. Afinal não sou técnico, quando muito me diluo entre os tais 170 milhões de brasileiros que têm esta pretensão. Liguei a TV e me pus a assistir Brasil x Malásia. Eu vi o que todo mundo viu. O time titular do Brasil, segundo o Sr. Felipão, não conseguiu fazer um só gol na fraquíssima e esforçada seleção da Malásia. Isto por longos 45 minutos do primeiro tempo. Decepcionante. Não me venham com a história de que chutamos várias vezes ao gol, bolas, ou melhor, defesas, sim porque as bolas chutadas por nosso jogadores ou batiam num adversário, ou na trave. Parece que tinham lá uma certa alergia às redes malaias. Mas, como sempre acontece, no intervalo o técnico disse à TV que faltava apenas fazer um ou dois gols e poderiam então entrar uns 7 ou 8. Bom, isto era o óbvio ululante, de que tanta gostava Nelson Rodrigues. Só que o sobrenatural de Almeida deve ter cochilado de tédio. Esperava-se que houvesse mudanças, para o segundo tempo, e elas aconteceram. Aliás, aconteceram em excesso. Tantas foram as alterações que ninguém agora é capaz de dizer, afinal, qual o verdadeiro time que o senhor Felipão considera mesmo o titular para jogar contra a Turquia, na primeira partida nossa pelo mundial. Seria cômico se não fosse tão trágico, não? Mas, vamos confiar na declaração primeira do técnico: o time titular é o que entrou em campo e portanto jogou o primeiro tempo. Tudo bem, de novo. Entretanto, vejamos a coisa pelo que aconteceu no segundo tempo. Quando ele resolveu botar talentos em campo, como Denilson, Edilson, Jorginho Paulista, entre outros, o time ficou solto, alegre, vibrante, com fome de bola e de vitória. Em poucos minutos já fizéramos dois gols e acabamos chegando aos 4. Não fossem os esforços hercúleos do pequeno, mas muito bom, goleiro da Malásia, talvez a goleada fosse maior. Estava em campo o toque de classe do futebol brasileiro, um pouco do antigo futebol arte que alguns, bobamente, hoje desprezam. Até em anúncios, pouco inteligentes, que vemos na TV. Será que o time ideal para representar o Brasil é mesmo o que atuou no primeiro tempo? As opiniões vão se dividir e isso é muito natural. Eu, porém, acho que não. Creio que alguns como Denilson, ou Juninho Paulista, ou Edilson, não deveriam ter sido convocados para assistir aos jogos do banco de reservas. Mas, que fazer, é a mentalidade que impera nos atuais técnicos de nossa seleção, não apenas no Sr. Felipão, faça-se justiça. Primeiro prevalece o tentar não perder, portanto vamos botar uns botinudos que marquem ou chutem os adversários, mas defendam, para depois pensarmos na ousadia de tentar ganhar. Paciência. Sinto saudade de João Saldanha, sim, mas também de Telê, claro, porque não procuravam esconder o nosso verdadeiro futebol e copiar o que outros fazem. Se Telê deixou de nos levar ao título em duas oportunidades, por outro lado não permitiu exibições medíocres, como tantas a que assistimos hoje em dia, com a camisa amarela. Ademais, perder faz parte do jogo, só não aceito a derrota como aconteceu na final em 1998!! Que me desculpe o bom Zagalo. Há diferenças abismais entre o Sr. Felipão e, por exemplo, João Saldanha. O primeiro se preocupa que seus jogadores não façam sexo durante a copa, não usem celular em certos horários, provavelmente que não urinem na tampa do vaso, etc e tal. As seleções da Alemanha, da Inglaterra, da Holanda, da Itália, entre outras, também vitoriosas, jamais tiveram essas "preocupações". Saldanha exigia que seus atletas tivessem talento, garra, determinação, orgulho de jogar com a amarelinha, que não tivessem medo das derrotas, mas pensassem sempre na vitória. Saldanha jamais quis seminaristas, ou meninos de colégio interno, em seu time. Queria homens, na acepção da palavra, defendendo o futebol brasileiro. Cartilha de procedimentos é pura baboseira de quem deseja passar imagem de austero, quando a verdadeira autoridade transcende essas bobagens. É fácil para o Sr. Felipão dizer, em tom de ironia, ao povo brasileiro, que quem manda na seleção é ele e que portanto não levou Romário porque assim entendeu melhor e pronto. Saldanha foi muito mais além. Ao receber ordens do Presidente da República de então, o general Médice, em pleno regime militar, para escalar Dario, o conhecido Dadá Maravilha. Mandou-lhe de volta este recado: "Diga ao presidente que se preocupe com administrar o país, que, da seleção brasileira, cuido eu." Atrevido, mas correto João Saldanha. Claro, foi sumariamente demitido com uma intervenção direta do estado no nosso futebol. Aí assumiu Zagalo. E teve que levar o Dadá… O time formado por Saldanha, e mantido por Zagalo, deu um show, só teve vitórias na copa de 70 e nos trouxe o tri e o troféu definitivo. Aquela equipe jamais aceitaria ordens esdrúxulas do tipo: é proibido fazer sexo! Vejam bem, proibido por cerca de uns quase 60 dias… Isso ajuda em alguma coisa? Claro que não e nem tem nada a ver. Só não devem fazer é durante os jogos ou nos intervalos, aí nem fica bem, não é?? Para encerrar, não sei quem foi o profissional de TV que teve esta infeliz idéia de um mau gosto imbatível. Passaram a chamar a nossa seleção de "Família Scolari"… Queriam dar uma imagem de perfeita união, entrosamento, etc, mas acabaram por pintar esta seleção com cores mafiosas. Vade retro. Saudade do Saldanha.

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