TRINTA LINHAS

    Primeiro dia de aula após as férias. A classe em polvorosa. Todos,  ao mesmo tempo, querem contar e superar as vantagens que o outro conta sobre o que fez em junhoDona Terezinha, professora de português, baixinha, um tanto corcunda, entra no recinto.  Sem encarar a turma, escreve no quadro: “REDAÇÃO. Tema: Minhas férias.  30 a 50 linhas”. E acrescenta: VALENDO NOTA! A revolta toma conta da sala: trinta linhas! É muita coisa! “Não dá para diminuir, não?”  No meu canto, na contra-mão da turma, penso em como vou conseguir narrar trinta longos dias de férias naquele mísero espaço. Precisaria de umas cem, no mínimo! Resumo minha revolta particular em quatro sentenças que me valeram o único zero da vida. Um zero tão grande, tão vermelho e tão redondo que penso até hoje ter sido feito com lápis de cor preso a um compasso.”No dia em que chegamos em Teresópolis para passar as férias, choveu.No segundo dia, o sol não apareceu. E choveu a tarde toda.No terceiro dia, choveu…Só no trigésimo dia, na hora de voltar, é que finalmente o sol apareceu.”Apesar disso, no final do ano fui aprovado por conta do dez na redação de duas linhas sobre o pingo dágua: “Tem tanto tempo que não cai água lá em casa que nem lembro mais do formato e do som de um pingo d’água. Assim que a água voltar, escrevo. Promessa é dívida.”Dona Terezinha justificou a nota máxima: eu havia esbanjado criatividade. Piedosa mentira!  Ela é que não reprovava nunca, porque o mundo girou, a Lusitana rodou e eu nunca mais consegui condensar um texto na vida.Quando comecei minhas crônicas para o site do SINAL, os textos eram muito longos.  E chatos: hoje renego sua autoria. Depois, com a Rionet, dei-lhes um limite ao tamanho:   uma página, A-4, fonte arial, 10. Mesmo assim, tinha sempre alguém pra dizer que havia gostado, mas que era muita coisa para ler… . Um desses tratados me ensejou, após uma troca de e-mails, um convite à interlocutora para revisar os textos. A condição:  o emagrecimento das matérias para trinta linhas! A partir daí, as crônicas vêm sendo confinadas num spa ortográfico. Estão passando a sujeito, verbo e predicado. Nada de próclises, ênclises, mesóclises. Frases só as magras, adjetivos sem carboidratos. Apostos? São gorduras saturadas.   Então, tá todo mundo avisado! Se começarem a notar o meu texto mais leve, muito mais curto, mais elegante e praticamente sem erros gramaticais, eu não tenho nada com isso!  A culpa é toda dela!

    Matéria anteriorCOMO SE NÃO BASTASSEM…
    Matéria seguinteCALIGRAFIA VIRTUAL