UM PIANO AO CAIR DA TARDE

    Foi nos idos de 1956, eu pertencia ao cast da Rádio Clube do Pará, a tradicional PRC-5, de Edgar e Edyr Proença. Os escritórios e o estúdio principal, além do novo auditório, eram situados no prédio da Av. Presidente Vargas, no centro da cidade.Além de locutor comercial eu produzia e apresentava mais 2 programas. Certo dia o bom amigo e excelente profissional, Grimoaldo Soares, que, no rádio, atuava em várias áreas, comentou comigo a idéia que tivera. Palavras do Grima:”Simões, eu acho que a rádio está precisando de um programa que cubra melhor o horário que vai da tua crônica das dezoito horas até o começo da “Voz do Brasil”, às 19 horas. Imaginei algo como um musical bem romântico.”De cara eu gostei da idéia, mas queria saber mais detalhes e ele me deu: “Imagino um trio com piano, contrabaixo e bateria. Tocaríamos apenas músicas bem apropriadas para o horário do Crepúsculo. O final da tarde e começo da noite dos namorados. O que achas, amigo?”Nem preciso dizer, mas direi, que Grimoaldo, assim como eu, era muito romântico, também não sabia viver sem amor. Falar de amor era com ele mesmo. Sabia que o programa teria tudo para dar certo, pois a concorrência não tinha um programa que atraísse muita audiência naquele horário.Mas, e eu? Será que ele estava apenas trocando idéia comigo ou pretendendo me fazer um convite? A seguir ele respondeu à minha ansiedade: “Mano, pensei em te chamar para seres o apresentador do programa. O que achas?”O esquema era muito simples: um trio que valorizaria músicas românticas e entre elas eu iria lendo alguns textos, divagações que falassem dos sentimentos humanos, especialmente do amor. O próprio Grimoaldo me apresentou alguns dos textos que já escrevera. Gostei e partimos para a realização do programa. A direção da rádio aprovou fácil a idéia e o patrocínio também surgiu rápido. Tudo pronto.Numa linda tarde de primavera eu me dirigia, de ônibus, ao estúdio antigo, com auditório, no bairro do Jurunas, onde ficavam os transmissores da Rádio Clube do Pará. A distância de minha casa era grande mas a alegria da escolha do meu nome pelo Grimoaldo compensava tudo. Às 18 horas eu li a minha habitual crônica e logo depois entrou no ar, pela primeira vez: “Um piano ao cair da tarde.”O trio era formado pelo Grimoaldo ao piano, um integrante da Aeronáutica, amigo do Grima, no contrabaixo e, na bateria, aquele que mais tarde viria a ser reconhecido como um dos melhores, se não o melhor do gênero, em todo o Brasil: “Papão”. A cada duas músicas que  eles executavam eu entrava com a narrativa pré escrita pelo Grima.Páginas musicais bem românticas, nacionais e internacionais garantiam a audiência no horário do Crepúsculo. Quanto às narrativas, minha velha “indisciplina” de um improvisador inveterado, acabaram convencendo o Grimoaldo de que ele não precisava se preocupar mais em escrever textos. Recebi a “ordem”: “Mano Simões, daqui pra frente pode improvisar à vontade. Este espaço é todo teu.”Quando a música estava nos seus últimos acordes, o Grima me dava um sinal e eu começava a falar, a falar e falar, em tom suave, como quem se declara a um novo amor. Não raras vezes eu incluía poesia nas narrativas. A recíproca era verdadeira, quando eu sentia que ia parar de falar dava-lhes um sinal e a música subia aos poucos. Saudades, saudades tantas daqueles tempos, daqueles amigos, daquele programa. Era ao vivo, no palco do auditório antigo, na Aldeia do Rádio, que ficava com as portas fechadas para evitar ruídos que não cabiam no espírito do programa. Espírito que também, por outro lado, não caberia na atualidade do rádio praticado pelo Brasil afora, com certeza. O rádio mudou muito, os tempos mudaram, muitas pessoas também, nem sempre para melhor, infelizmente.Grimoaldo cumpriu seu tempo por aqui, com brilhantismo, e foi chamado para outro plano. Dos outros dois companheiros nunca mais tive notícias, mas sei que o grande baterista “Papão” ainda deve estar brilhando, provavelmente no exterior. Quem tiver notícias do excelente “Papão”, por favor mande para mim.Eu segui o meu rumo, deixando o rádio, que amava, pelo Banco do Brasil, onde teria uma carreira pela frente e uma estabilidade então garantida. Não deu para conciliar os dois, infelizmente. Após me dedicar a outras atividades artísticas e culturais, simultaneamente com o BB, voltei às letras, pela prosa e pelo verso a partir de 1999. Hoje, aos 69 anos, continuo procurando usar bem o meu tempo, até que a vida me cobre o prazo pela validade vencida.Mas, curiosamente alguns anos depois de eu deixar o rádio, quando já morava no Rio de Janeiro, costumava namorar, ao final da tarde, em certos dias, com aquela que viria a ser minha esposa, Zezé, ali no bairro da Glória, onde ela morava. Até aí nada de semelhante com aquele meu momento no rádio paraense. Porém nós gostávamos de ficar conversando, sentados nos bancos do jardim, ouvindo a Rádio Eldorado, da Globo, já extinta. Justamente entre as 18 e as 19 horas acontecia um programa delicioso que, por coincidência, também se chamava… “Um piano ao cair da tarde”. Ele embalou nossos sonhos e foi cúmplice em nosso amor que perduraria por cerca de 40 anos.

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