2015 sem ajuste

    Por Cristiano Romero

     

    Em seus últimos pronunciamentos, especialmente o realizado no Dia do Trabalho, a presidente Dilma Rousseff deu indicações de que não vê 2015 como um ano de ajuste necessário da economia brasileira. A presidente sinaliza que, se reeleita, manterá as bases do modelo dos últimos anos, cujo motor é o consumo do governo e das famílias.

    Não se trata de ressuscitar a “nova matriz econômica”, cujo objetivo era fazer o país operar com juros baixos, câmbio depreciado, gastos públicos em permanente expansão e um regime de metas para inflação “flexível” (algo que na prática significou aceitar o IPCA sempre acima da meta, que já é alta, de 4,5%). A “nova matriz” fracassou, mas o governo, ao se recusar a ajustar a política fiscal, não a abandonou inteiramente, o que coloca o país num caminho bastante perigoso.

    O modelo, como se sabe, resultou em um Produto Interno Bruto (PIB) que cresce pouco, uma inflação constantemente pressionada, um déficit em transações correntes crescente e uma situação fiscal que ameaça tirar do Brasil o grau de investimento. Nada disso parece preocupar a presidente Dilma, afinal, em suas declarações, ela tem demarcado o terreno, já pensando nas eleições: seu governo toma medidas populares, de “apoio aos mais pobres”, enquanto a oposição, que a desafiará no pleito deste ano, planeja medidas impopulares, a “mão dura contra o trabalhador”.

    Sem canal de expectativas, juro provocará recessão

    Um conselheiro que já esteve mais próximo da presidente não tem dúvidas: Dilma vai redobrar a aposta no segundo mandato. É difícil imaginar como isso possa se sustentar. A realidade sugere uma situação muito difícil nos próximos meses e em 2015.

    Uma análise de três dos quatro canais de transmissão da política monetária mostra que a política de aumento da taxa básica de juros (Selic), iniciada em abril do ano passado, está tendo efeitos na economia, apesar da persistência inflacionária. No caso da atividade, a combinação de arrocho monetário com ausência de confiança na política econômica está produzindo resultados devastadores.

    O índice de confiança da indústria, medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), está no menor nível desde junho de 2009, quando o país enfrentava uma recessão e ainda digeria os efeitos da crise mundial. Na mesma linha, o indicador de confiança dos consumidores, da mesma FGV, está no menor patamar desde maio de 2009. Não se deve ter dúvida: quando os indicadores de confiança caem, e isso vem ocorrendo desde 2012, investimento e consumo desabam.

    Outro indicador antecedente, o PMI (sigla em inglês do índice gerente de compras) da indústria, recuou de 50,6 em março para 49,3 em abril, o número mais baixo desde as manifestações populares de junho de 2013 – quando cai abaixo de 50, o PMI indica contração da produção. Isso está ocorrendo no momento em que o PMI de vários países, especialmente de economias avançadas, está em território positivo e avançando.

    No canal do crédito, também se observam efeitos da política monetária. Nos últimos 12 meses, o crescimento real da oferta de crédito dos bancos privados foi de apenas 0,4%, patamar mais baixo que o observado durante a crise de 2008/2009.

    No canal do câmbio, o efeito também é evidente, como demonstram alguns números. Nos últimos 12 meses, por causa dos juros altos, o país recebeu o maior fluxo de investimento estrangeiro em renda fixa já registrado: US$ 33 bilhões. Até ontem, o real foi, em 2014, a moeda de mercados emergentes que mais se valorizou em relação ao dólar: 4,78%. Ainda no câmbio, a exposição líquida do Banco CENTRAL (BC) a contratos de swap atingiu, em 2 de maio, valor recorde: US$ 86,9 bilhões.

    O único canal de transmissão que não reagiu à política de juros altos foi o das expectativas. Desde o início do ciclo monetário, elas vêm se deteriorando. Se não houver recuperação da confiança, algo que ajudaria a melhorar as expectativas, apenas a política monetária será inócua para reduzir a inflação. No governo, gente séria já admite que o país terminará 2014 com o IPCA acima de 6,5%, o teto do intervalo de tolerância do regime de metas.

    Trata-se do pior dos mundos. Já não há mais quem acredite que o PIB vá crescer neste ano os 2,3% projetados pelo governo. Na verdade, o produto caminha, conforme estimam casas de investimento como a Mauá Sekular, de Luiz Fernando Figueiredo, para uma expansão de apenas 1% em 2014 e de 0,15% em 2015.

    A política de juros está, de fato, contracionista, mas, sem o canal de expectativas, o custo para torná-la desinflacionária é muito maior. Um aperto monetário adicional agora pode jogar a economia numa recessão. Seria a triste versão brasileira de uma estagflação, a combinação de estagnação com inflação, fabricada por equívocos de gestão.

    Diante de tudo isso, o BC deve interromper no curto prazo o ciclo de alta dos juros, já que não tem disposição nem autorização para fazer o ajuste desinflacionário necessário e reconquistar o canal de expectativas. Estas continuariam fora do lugar, mas, como revelam os indicadores, os outros canais ajudariam a segurar um pouco o IPCA.

    Na interessante exposição que fez sobre política monetária há três semanas, em São Paulo, o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton, explicitou os desafios de se controlar a inflação no Brasil quando o consumo do governo, o crédito direcionado e os preços administrados conspiram contra. O argumento de Hamilton é o de que as trajetórias desses três itens “exigem – na dimensão temporal e/ou na quantitativa – esforço adicional de política monetária para que se alcance determinado ganho desinflacionário”. Em outras palavras: decisões do governo demandam juros mais altos.

    O diretor do BC tem convicção, entretanto, de que, embora autônomos (consumo do governo) ou semi-autônomos (crédito direcionado) em relação aos efeitos da Selic, esses itens não bloqueiam os canais de transmissão da política monetária. Hamilton sustenta que o arrocho monetário funcionou e ainda terá efeitos sobre a atividade. Sem o aumento dos juros, a inflação estaria “alguns pontos de percentagem” acima do patamar observado no segundo semestre de 2013.

    Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

    E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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