A batalha dos juros

    Por Cristiano Romero

    Banco CENTRAL (BC) acredita que uma parte do aperto monetário realizado desde abril do ano passado ainda produzirá efeitos na atividade econômica. Apesar disso, o Comitê de política monetária (Copom) se prepara para estender o ciclo de alta dos juros, que muitos no mercado achavam ter chegado ao fim na reunião de fevereiro, quando a taxa Selic foi colocada em 10,75% ao ano.

    A novidade é um novo choque de preços de alimentos. Ontem, ao participar de audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), o presidente do BC, ALEXANDRE TOMBINI, introduziu o tema em sua comunicação e praticamente selou a continuação do aperto monetário – participantes experientes do mercado apostam em, pelo menos, mais duas altas de 0,25 ponto percentual, que, ao fim de maio, levariam a Selic para 11,25% ao ano.

    Como antecipou na semana passada o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, o BC está preocupado com os preços dos alimentos in natura, embora acredite que o choque seja temporário, uma vez que estaria sendo provocado por fenômenos climáticos e não pelo aumento da demanda. “Mesmo assim, a política monetária deve atuar de modo a garantir que os efeitos desse choque se circunscrevam ao curto prazo”, advertiu TOMBINI na CAE.

    BC brasileiro foi o que mais alterou a taxa de juros desde 2011

    No parágrafo 20 da ata da última reunião do Copom, o BC mencionou “pressões localizadas” nos preços de commodities, mas sem explicitar produtos agrícolas. Uma autoridade disse a esta coluna que a preocupação é com dois itens – alimentos e energia – do índice CRB, que mostra a evolução média dos preços de commodities no mercado internacional. Os dois respondem por 80% do índice e estão pressionados neste início de ano.

    TOMBINI está preocupado. Seu plano, justamente por considerar que o aumento de 3,5 pontos percentuais da taxa Selic desde abril ainda teria efeitos defasados sobre a economia, era encerrar o ciclo de alta da Selic. O problema é que os cenários interno e externo trazem complicações no momento em que o espaço de manobra do BC é diminuto.

    O choque de preços chega com a inflação em 12 meses girando em torno de 5,5% a 6%. No regime de metas, o largo intervalo de tolerância – dois pontos para cima ou para baixo da meta – serve para absorver choques e, assim, evitar que o Copom eleve os juros em demasia, justamente o contrário do que dizem os críticos do regime dentro e fora do governo. A questão é que, estando o IPCA próximo do limite superior de tolerância (6,5%), um choque agora tende a jogá-lo acima do teto da meta.

    O risco que o país corre é ver a inflação estourar o teto – algo esperado para o período entre junho e setembro – e não voltar mais, fechando 2014 acima de 6,5%. Isso terá ocorrido mesmo depois do segundo maior aperto monetário em dez anos, o que diz muito da política de controle da inflação no governo Dilma Rousseff.

    Nos últimos três anos, o BC brasileiro foi, de longe, o que mais mexeu na taxa de juros num grupo de 26 economias, entre as maiores do planeta e as que adotam regimes de meta para inflação. Desde janeiro de 2011, o Copom realizou 26 reuniões. Em 23 encontros, 88% dos casos, alterou a taxa Selic. No mesmo período, a Hungria, o segundo colocado nesse ranking, modificou os juros em 58% das reuniões. Na média, os 26 países fizeram isso em 21% do total de encontros de seus BCs.

    Isso mostra que, no período observado, a taxa de juros brasileira foi a mais volátil do planeta, algo que não condiz com a estabilidade econômica nem muito menos com uma boa gestão do regime de metas para inflação. Revela ainda a obsessão das autoridades com o tema, que ganhou ares políticos quando a presidente Dilma, por meio de assessores, deixou escapar que tinha uma meta de juros – seu objetivo era chegar ao fim do primeiro mandato com uma taxa real de 2%.

    Na sua campanha, o governo ignorou o básico: taxa de juros, assim como o câmbio, é um preço da economia e não um instrumento de estímulo ao crescimento. Brigou tanto e de tantas formas para forçar a redução da Selic que, no fim, produziu uma situação realmente anômala: juros altos, expectativas fora do lugar e inflação alta. Além de um Banco CENTRAL com pouca credibilidade.

    Uma comparação entre os efeitos dos cinco ciclos de aperto monetário promovidos desde setembro de 2004, ainda no primeiro mandato do presidente Lula, comprova a perda de credibilidade da política monetária. O gráfico abaixo mostra o efeito de cada ciclo de alta da Selic sobre as expectativas dos agentes econômicos 12 meses à frente, capturadas pelo Boletim Focus, do BC.

    O que se vê é que o ciclo iniciado em 2004, depois de 270 dias (os nove meses de desfasagem da política monetária), reduziu a expectativa de inflação em quase 1,6 ponto percentual. Na outra ponta, os ciclos de 2010 e de 2013 mostram as expectativas piorando ao longo do tempo e com um agravante: elas chegaram ao fim do aperto acima de onde estavam no início do ciclo. Mesmo na atual gestão, o BC chegou a coordenar um pouco as expectativas por um breve período de tempo, como mostram os efeitos do ciclo iniciado em janeiro de 2011.

    A leniência tem um preço. Será cada vez maior, daqui em diante, o custo, em termos de PIB, para trazer a inflação à meta. 

    Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

    E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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