A dificuldade de Levy para reduzir os gastos

    O desgaste que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vem sofrendo em suas relações com o Congresso e dentro do próprio governo decorre do simples fato de que ele insiste em dizer não ao aumento do gasto. Não cabe ao ministro da Fazenda ser simpático, mas sim buscar maneiras de acomodar as variadas demandas sociais dentro do Orçamento da União, mantendo o equilíbrio fiscal. Em sua luta diária, Levy está sendo obrigado a contrariar interesses e a rejeitar reivindicações que não encontram formas adequadas de financiamento. 

    O trabalho do ministro da Fazenda, que já é difícil, tornou-se particularmente espinhoso neste ano, em decorrência da crise política do governo da presidente Dilma Rousseff, cuja base de sustentação está esfacelada. Por falta de um negociador reconhecido pelo Congresso, Levy foi obrigado a assumir mais esse papel e a fazer contatos diretos com os vários interlocutores políticos. 

    Essa função raramente foi exercida por um ministro da Fazenda na história recente do país, talvez com a exceção do ex-ministro Fernando Henrique Cardoso durante o governo Itamar Franco. O ex-ministro Antonio Palocci contava com a articulação do ex-ministro José Dirceu. Como negociador, Levy tem acumulado algumas derrotas e, neste momento, vem recebendo críticas, nos bastidores, até mesmo de importantes líderes do PMDB, o partido que está dando o ritmo de votações no Congresso. 

    Política fiscal anticíclica volta a ser defendida 

    As dificuldades de Levy decorrem também do fato de que parte de seus colegas de governo e dos políticos da “base aliada” alimenta a esperança de outra estratégia de ajuste da economia, que seja “menos dolorosa” e aponte para o crescimento econômico. Alguns setores do governo entendem que um corte das despesas, como o defendido pelo ministro da Fazenda, vai agravar a recessão econômica e gerar mais desemprego. Preferem que o caminho a ser trilhado pela presidente Dilma Rousseff dê mais ênfase ao aumento da receita, por meio da elevação dos impostos, e menos ao corte de gastos. 

    Fontes ouvidas pelo Valor informam que essa corrente prevaleceu na definição da proposta orçamentária do próximo ano. A viabilidade política dessa opção, no entanto, é uma incógnita, pois existe atualmente uma intolerância do Congresso em relação ao aumento de tributos. 

    Outros setores, mais ideológicos, sonham com a adoção pelo governo Dilma de uma política fiscal anticíclica, nos moldes daquela executada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009, no enfrentamento da crise financeira internacional. A forma como a presidente da Caixa Econômica Federal, Miriam Belchior, anunciou a concessão de uma linha de crédito para capital de giro para o setor automotivo – ao dizer que o mesmo esquema seria estendido para todas as cadeias produtivas – indica que o desejo por uma política fiscal anticíclica, com o uso mais intenso dos bancos públicos, continua presente dentro do governo. 

    A questão é saber se há espaço para essa política. Antes, porém, é preciso entender qual é a real situação das contas públicas brasileiras. Em seus encontros com empresários, políticos e jornalistas, o ministro Levy tem procurado mostrar que há um desequilíbrio fiscal estrutural no Brasil, com as despesas obrigatórias crescendo em ritmo mais forte do que a economia. Esse quadro foi agravado mais recentemente pela erosão das receitas, provocada pelas desonerações tributárias. 

    Durante o “boom” das commodities, o desequilíbrio fiscal estrutural foi camuflado, mesmo assim a custa de superávits primários cada vez menores e com o uso crescente de receitas extraordinárias, não recorrentes, provenientes do pré-sal, dos frequentes parcelamentos de débitos tributários em condições vantajosas para o devedor (os Refis), entre outras coisas. Essa avaliação do quadro fiscal brasileiro é quase um consenso entre os especialistas em finanças públicas. 

    O ministro Levy considera que é necessário aprovar reformas estruturais que alterem a trajetória das despesas obrigatórias. Por isso, ele tem dito a vários interlocutores que considera importante começar o ajuste do próximo ano pelo lado das despesas, antes da elevação dos impostos, tentando aumentar a qualidade e a produtividade do gasto público. 

    A análise do atual quadro das contas públicas brasileiras mostra que não há espaço para uma política fiscal anticíclica. Quando o governo Lula realizou essa política, em 2009, o ano anterior tinha terminado com um déficit nominal abaixo de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) e com um superávit primário de 3,19% do PIB. 

    Hoje, o déficit nominal do setor público acumulado no período de 12 meses terminado em junho é de 8,12% do PIB, o mais elevado da série histórica do Banco Central. No mesmo período, o setor público acumula um déficit primário de 0,8% do PIB. Em 2014, foi a primeira vez que se registrou um déficit primário desde 1997. 

    A dívida bruta do setor público em dezembro de 2008 correspondia a 56% do PIB, de acordo com o BC. Ao final de junho deste ano, estava em 63% do PIB. Essa elevação foi provocada, em grande medida, pelos créditos do Tesouro aos bancos públicos (principalmente para o BNDES), que já chegam a R$ 560 bilhões. A política fiscal anticíclica foi exitosa, pois nos anos seguintes o quadro fiscal melhorou. Mas, agora, não há espaço fiscal para que ela se repita. A sua adoção vai elevar a dívida bruta e, em consequência, os juros subirão rapidamente. 

    Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras 

    E-mail: ribamar.oliveira@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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