A estratégia é deixar Cunha à própria sorte

    Líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães afirma que o Conselho de Ética não é tema da agenda da base aliada e que os projetos do ajuste fiscal são mais importantes

    Interessados em concluir logo as votações e partir para o recesso, os líderes do governo fixaram três projetos prioritários na agenda destas próximas quatro semanas de funcionamento do Congresso, colocando na geladeira qualquer movimento que possa favorecer o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. “Conselho de Ética não é tema de governo. A minha missão é garantir a agenda econômica, e isso nós estamos fazendo”, diz o líder da presidente Dilma Rousseff na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

    Os três projetos pinçados na extensa pauta de votações da Casa são a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o PLN nº 05, que altera a meta fiscal, e a Desvinculação de Receitas da União (DRU). A LDO é fundamental inclusive para ajudar o presidente da Câmara a ganhar tempo para votação do processo contra ele no Conselho de Ética. Isso porque a LDO é a única lei que, se não for aprovada, prorroga automaticamente os trabalhos do Poder Legislativo e, assim, não há suspensão dos prazos. Foi assim, por exemplo, em julho, quando a Casa fez o recesso branco. 

    Com o recesso oficial, em que a contagem de prazo é suspensa, os 90 dias de tramitação do processo por quebra de decoro terminam apenas em abril, isso se o Conselho de Ética considerar que há indícios para que o presidente da Casa seja investigado. Portanto, a corrida do governo para votar logo a LDO e partir para o recesso é uma forma de ajudar Cunha sem se expor. 

    Enquanto o governo acelera para encerrar logo o semestre, os aliados de Cunha vão tratar de protelar amanhã ao máximo a leitura e a votação do parecer do deputado Fausto Pinato dentro do Conselho de Ética. A intenção ontem era agir em duas frentes: primeiro, não dar quórum para a abertura dos trabalhos. Se essa estratégia falhar, eles vão pedir vistas ao processo. Assim, a votação do parecer de Pinato ficaria para 1º de dezembro. A ordem, no momento, é adiar ao máximo a abertura do prazo de defesa e deixar tudo para 2016. 

    As manobras protelatórias em curso indicam que o presidente da Câmara está ciente da dificuldade de apresentar uma defesa capaz de lhe garantir a continuidade no comando da Casa. Desde a última quinta-feira, quando ele conseguiu, por meio de manobras, adiar a leitura do parecer no Conselho de Ética, a situação política se agravou. A oposição pretende ir ao Ministério Público com uma reclamação contra o presidente da Câmara e há um claro movimento no sentido de obstruir as votações até que Eduardo Cunha se sinta constrangido o suficiente para deixar o cargo, coisa que ele já disse que não fará, uma vez que ainda não lhe foi dado o direito à defesa dentro do Conselho de Ética. 

    Dupla função

    A intenção dos oposicionistas em obstruir os trabalhos da Casa apenas para constranger Eduardo Cunha foi vista com uma certa desconfiança pelos fiéis aliados do governo da presidente Dilma Rousseff. “A oposição namorou 11 meses com Eduardo Cunha, foi com ele para a Rússia, brindou lá o impeachment da presidente Dilma, e agora vem com essa de obstrução. Não se pode impedir a Câmara de trabalhar por causa dos problemas de Eduardo Cunha. O Poder Executivo não tem nada a ver com isso. Aliás, quem elegeu Cunha foi a oposição. O PT tinha candidato, Arlindo Chinaglia”, afirma o deputado Sílvio Costa (PSC-PE), um dos maiores adversários de Eduardo Cunha na Câmara.

    O PT, no entanto, tem ajudado como pode a sustentar o presidente da Câmara para evitar que Eduardo Cunha coloque o pedido de impeachment da presidente Dilma em tramitação. Na semana passada, Cunha afirmou em entrevista coletiva que poderia colocar o pedido para tramitar ainda este ano. Aliados do presidente da Câmara avaliam que um pedido de abertura de processo de impeachment tramitando na Casa ajudaria a jogar uma penumbra sobre o caso do próprio Cunha e as contas suíças que suscitaram a ação no Conselho de Ética. Ocorre que, para alguns, o presidente da Casa perdeu o momento certo de colocar o impeachment na roda. Agora, se o fizer, soará como uma tentativa de se esconder atrás de um fato que poderá chamar mais a atenção dos formadores de opinião. Além disso, levará o PT a jogar contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética, o que até aqui não ocorreu. O partido de Lula e de Dilma, alás, foi o último a registrar presença na reunião do colegiado na última quinta-feira, justamente para ajudar a manobra dos aliados do presidente da Câmara.

     

    Protesto e pichação

    Contra Eduardo Cunha na Presidência da Câmara e Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, cerca de 120 integrantes do PT Jovem protestaram no fim da manhã de ontem na Esplanada, nas proximidades do Congresso Nacional. Com bandeiras do partido e da União Nacional dos Estudantes (UNE), eles subiram na cúpula da Câmara dos Deputados um dia após a área ter sido desocupada por manifestantes que pediam o impeachment da presidente Dilma Rousseff. No prédio do Ministério Fazenda, o grupo pichou palavras de ordem como “Fora Cunha e Levy”, “Ajuste não” e “Nem Meireles nem Levy” (em referência ao ex-presidente do Banco Central, cogitado como um nome a substituir o ministro). A assinatura JPT indicava a autoria do ato da Juventude PT. Os militantes fazem parte de uma ala mais esquerdista do Partido dos Trabalhadores, dissidente do campo majoritário, e que estão em Brasília para participar do Congresso Nacional da Juventude do PT.

     

    Balança do poder

    Confira quem ganha e quem perde com o enfraquecimento de Eduardo Cunha

    Quem ganha

    Governo

    »  Com o oposicionista Eduardo Cunha enfraquecido, o processo de impeachment perdeu força. Cunha era uma espécie de avalista da oposição para levar o impeachment adiante. Ele não deu prosseguimento ao processo e terminou abandonado pela maioria dos oposicionistas que pede o afastamento dele da Presidência da Câmara. Enquanto isso, o governo vai destravando a pauta de votações.

    Ala de Michel Temer e de Renan Calheiros

    »  Eduardo Cunha trabalhava nos bastidores para se sobrepor ao vice-presidente Michel Temer e ao presidente do Senado, Renan Calheiros, dentro do PMDB. Agora, diante das dificuldades políticas, ele não tem tido força suficiente para suplantá-los.

    Quem perde

    Oposição

    »  Estava tudo certo entre Eduardo Cunha e os oposicionistas para deflagrar no fim de outubro, início de novembro o pedido de abertura de processo contra Dilma. Como o presidente da Câmara não cumpriu o acordo e a situação se agravou diante das revelações de documentos sobre as contas da Suíça, a oposição o abandonou e já começa a dar adeus ao processo de impeachment da presidente.

    Outros políticos enroscados na Lava-Jato

    »  Quem tem mandato e está na lista de investigados na Lava-Jato conta com a sobrevivência de Eduardo Cunha e para, assim, evitar que a fila ande. Agora, com o presidente da Câmara enfraquecido, esses parlamentares estão com receio de que, resolvido o caso Eduardo Cunha, eles serão os próximos a enfrentar o Conselho de Ética.

    Bancada conservadora

    »  Eduardo Cunha tem dado todo o apoio a projetos polêmicos puxados por deputados mais conservadores. Se ele sair, muitos apostam que essa pauta perderá força.

     

    Fonte: Correio Braziliense

    Matéria anteriorFórmula 85/95 pode elevar em 3 anos idade de aposentadoria
    Matéria seguinteGoverno vê queda de 1,9% em 2016