Marcelo Miterhof
Debate principal não é sobre a independência do organismo em si, mas sim sobre os seus objetivos
A independência do Banco CENTRAL entrou no debate eleitoral. O tema é bom porque tem implicações políticas relevantes, ainda que um tanto indiretas.
No Brasil, o BC tem tido nas últimas décadas autonomia operacional para definir e executar a política monetária. A discussão atual é se seus diretores devem ter mandatos fixos e não coincidentes com o do presidente da República.
Os políticos, como classe, têm motivos para resistir a tal independência do BC. Não se trata somente de o presidente não poder demitir um auxiliar, mas também de ter que trabalhar metade de um mandato com responsáveis pela política monetária escolhidos pelo governante anterior. Entretanto, individualmente o presidente que aprovar essa medida teria a vantagem de indicar os diretores para todo o seu mandato e ainda para parte do governo seguinte.
Os incentivos aos políticos apontam em sentidos opostos. No campo técnico , o relevante é a concepção que cada lado tem sobre a economia e os objetivos do BC.
Os economistas liberais creem que manter a inflação baixa, ao dar confiança aos investidores, é o melhor que o Estado deve fazer para propiciar o crescimento. Além disso, para eles a inflação é estritamente um efeito da expansão da moeda. A atuação do BC deve ser restrita ao controle da inflação, conforme parâmetros definidos pelo Executivo ou pelo Congresso, caso do regime brasileiro de metas.
Com uma incumbência simples e bem definida, a independência do BC faria sentido por poupá-lo de influências políticas danosas: controlar agregados monetários e subir os juros é o preço que se paga de imediato pelo bem-estar de longo prazo.
A coisa muda de figura se o entendimento é que o BC tem responsabilidades mais amplas e toma decisões que implicam arbitrar interesses e conflitos distributivos.
Os objetivos concorrentes mais óbvios são o nível de atividade ou o de emprego. Ninguém quer inflação alta. Porém subir os juros para mantê-la muito baixa beneficia quem já tem renda elevada e, por isso, pode poupar. O mais pobres, que dependem do crescimento para ganhar mais, só teriam seus interesses supostamente atendidos no futuro.
A cada momento, qual escolha é mais apropriada? E para quem? A influência política passa a ser desejável e deve ser levada em conta na avaliação técnica.
Além disso, a função fundadora dos bancos centrais é a de dar estabilidade ao sistema financeiro, estabelecendo regras para atuação bancária e provendo liquidez quando necessário (o Banco dos bancos ), algo frequentemente conflitivo com o objetivo de manter a inflação muito baixa.
Se ainda se considera que a inflação tem causas no mundo real, conter a expansão da moeda pode ser ineficiente, além de danoso. Por exemplo, quando nos anos de 1970 houve os choques do petróleo porque os países exportadores se cartelizaram, uma tentativa de restrição monetária visando contrabalançar essa mudança de preços relativos levaria a uma profunda recessão. Algo parecido vale para quebras de safras agrícolas e outros choques de custo.
Nesse contexto, a missão do BC é bem menos inequívoca e definir suas políticas de forma isolada não faz sentido. Por que o presidente do BC deveria ter um status diferente do ministro da Fazenda?
A conclusão é que o debate central não é sobre a independência do BC em si, e sim sobre seus objetivos.
Resta ainda a questão de se os mandatos fixos são compatíveis com uma delegação mais ampla ao BC. A experiência dos EUA mostra que a inflação não é o único objetivo de seu BC (Fed). Ademais, seus presidentes sofrem influência política. Lá, a reclamação ortodoxa é de que o Fed, embora seja independente de direito, raramente o é de fato.
Paul Volcker e Alan Greenspan, por terem priorizado o controle da inflação, seriam exceções e heróis. Contudo –como mostra o artigo Federal Reserve Independence: Reality or Myth? , disponível em bit.ly/1yi11qU, de Thomas Cargill e Gerald O Driscoll–, eles adotaram esse foco porque tiveram o apoio de Ronald Reagan e Bill Clinton.
Quer dizer, talvez mandatos fixos não façam tanta diferença. No entanto, soa mais apropriado o arranjo que deixa claro que o BC não se pauta só pela gestão técnica, mas também pela arbitragem de interesses e que isso é assunto da política.
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Saio de férias e volto em outubro.
marcelo.miterhof@gmail.com
MARCELO MITERHOF , 40, é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do Banco. Escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Fonte: Folha de S.Paulo