A nova postura do Banco Central

    Banco CENTRAL (BC) não interromperá o ciclo de alta da taxa básica de juros (Selic) enquanto suas projeções não mostrarem a inflação em 4,5% em dezembro de 2016. Para o BC, como mostraram as duas últimas atas do Comitê de política monetária (Copom), o que a política de juros fez até agora não foi suficiente para levar o IPCA à meta no prazo pretendido.

    Neste momento, de acordo com o último Relatório de Inflação (RI), o BC está projetando inflação de 4,9% em 2016, acima, portanto, da meta e do compromisso assumido – para este ano, o RI previu 7,9% e, para o primeiro trimestre de 2017, 4,7%. Nesse cenário, o de referência do BC, trabalha-se com taxa de câmbio constante em R$ 3,15 no horizonte de previsão e taxa Selic de 12,75% ao ano. 

    No cenário de mercado, que reflete as projeções dos participantes do mercado financeiro e de algumas instituições representativas do setor real da economia, projeta-se inflação de 5,1% em 2016, 7,9% neste ano e 4,9% no primeiro trimestre de 2017. No boletim Focus, que capta as mesmas projeções no curtíssimo prazo, a mediana das expectativas aponta para inflação de 5,50% em 2016 e 8,31% em 2015. 

    Juro só para de subir quando projeção do IPCA estiver na meta 

    Os números mostram que, mantido o compromisso da diretoria do BC, há ainda um caminho a ser trilhado na política monetária. As expectativas do mercado têm piorado em relação a 2015, mas melhorado quando se olha para 2016. No primeiro caso, a deterioração é explicada não por causa da postura do Banco CENTRAL, mas da correção “mais rápida do que se esperava” dos preços administrados, diz uma fonte do governo. 

    No caso da melhora das expectativas para 2016, o mérito, sem dúvida, deve ser atribuído à nova postura da autoridade monetária. A rigor, o compromisso com 4,5% em 2016 foi assumido em novembro, mas o mercado se manteve ressabiado por duas razões: a atual diretoria do BC se comprometeu mais de uma vez, desde 2011, com levar a inflação à meta e nunca cumpriu a promessa; em dezembro e no início deste ano, relativizou o compromisso ao sugerir que o objetivo era ter a inflação convergindo para 4,5% em dezembro de 2016 e não necessariamente chegando aos 4,5% nessa data. 

    “Não vamos encerrar o ciclo de alta dos juros até que a projeção do BC mostre a inflação na meta de 4,5% em 2016”, assegurou uma fonte graduada a esta coluna. “Não há um teto para a taxa de juros [que já está em 13,25% ao ano].” Nos debates internos do governo, ressuscitou-se, inclusive, um debate teórico sobre “inflation forecast targeting” (em tradução livre, meta de inflação projetada ou prevista), um conceito desenvolvido, em 1996, pelo economista sueco Lars E. O. Svensson. 

    Para Svensson, a projeção de inflação de um Banco CENTRAL deveria ser vista como uma meta de inflação intermediária ideal: ela pode ser mais transparente e, por isso, facilitar a comunicação dos bancos centrais, que adotam o regime de metas, com o público. Facilitaria também a compreensão da sociedade (e não apenas do mercado) da política monetária

    Neste momento, o BC está dizendo ao mercado que, quando sua projeção de inflação para 2016 indicar 4,5%, a política monetária terá concluído sua missão no curto prazo. “Sobre a inflação de hoje [corrente], não há nada que eu possa fazer. Temos que operacionalizar a projeção de inflação na meta e não a inflação corrente”, observou uma fonte. “O BC tem que explicitar a data de quando a inflação vai estar na meta.” 

    Na avaliação de fontes do governo, o fato de o Copom ter afirmado nas atas recentes que o ciclo de alta da Selic não foi suficiente deve ser interpretado da seguinte forma: a projeção de inflação do BC para dezembro de 2016 não chegou ainda à meta. Oficialmente, as projeções só são conhecidas nos relatórios trimestrais de inflação. 

    Na cruzada para tentar baixar a inflação, o BC trabalha com “incertezas conjunturais”. Já se esperava, por exemplo, uma correção de preços relativos tanto do que diz respeito aos preços administrados quanto ao câmbio. No primeiro caso, o ajuste tem sido mais ligeiro do que se antecipava, o que por um lado é ruim porque aumenta a inflação corrente e afeta negativamente as expectativas, mas por outro é bom porque a correção imediata “esvazia” a expectativa de novas correções das tarifas no futuro. 

    Olhando para a taxa de câmbio, não se espera uma apreciação do real nos próximos meses, mas também é cedo para se afirmar que a moeda brasileira não vá se desvalorizar mais. “Globalmente, o dólar está num período de apreciação secular”, diz um técnico. De toda forma, há quem veja o câmbio “mais próximo” do seu ponto de equilíbrio. 

    Novamente, o BC está mais interessado em mostrar que seu compromisso com a inflação na meta no horizonte de pouco mais de um ano e meio, algo que não ocorre desde 2009, é inalienável. O compromisso da autoridade monetária, assegura uma fonte oficial, não é com o crescimento da economia, não é ajudar a indústria a sair do atoleiro nem gerar empregos: o mandato, único, é colocar a inflação na meta. Amém. 

    Nas crises de 1999 e 2003, também em meio a problemas de credibilidade, o BC optou por aplicar um choque de juros. Não seria o caso de fazer o mesmo agora? Uma fonte do governo diz que não porque, naqueles casos, enfrentavam-se crises de solvência fiscal e externa. No fundo, não havia alternativa. Ademais, nem sempre o choque de juros funciona. O caso da Rússia, em 1998, é um exemplo citado. Aquele país aplicou um choque naquele ano e quebrou. 

    Um dos maiores desafios dos formuladores da política econômica brasileira agora é combater a inflação de forma a melhorar a relação entre preços de bens comercializáveis e não comercializáveis. Nos últimos anos, a inflação dos não comercializáveis (basicamente, serviços), alimentada por reajustes salariais acima da produtividade da economia e uma política fiscal expansionista, subiu muito acima da de bens comercializáveis, derrubando de forma drástica a competitividade da indústria. Reverter esse quadro, embora não seja o objetivo precípuo do BC, será uma consequência da política anti-inflacionária. 

    Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

     

    E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

    Matéria anteriorComissão discute situação de quadro de funcionários do BC
    Matéria seguinteMinistérios pequenos terão mais cortes