A nova relação de forças no governo

    Por Raymundo Costa

    A presidente Dilma Rousseff fez a melhor escolha possível, no momento, para a coordenação política do governo. O deputado Ricardo Berzoini é ex-presidente do PT, cargo para o qual se elegeu duas vezes em momentos de grave crise interna, e um nome testado em outras batalhas. Mas sua nomeação, à esta altura, parece tardia. Berzoini dificilmente terá condições de recompor a unidade da base de sustentação política do governo.

    Para usar uma imagem ao gosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos avalistas do nome de Berzoini para o ministério Dilma, o deputado assume o comando do time no minuto em que foi marcado um pênalti contra o governo: a CPI da Petrobras. Nos próximos três, quatro meses a coordenação política do governo deve se concentrar na contenção da CPI, sob pena de levar uma bola por entre as pernas às vésperas da eleição. Não é tarefa fácil atuar nessas duas frentes.

    A recomposição da base de sustentação é uma empreitada difícil, até porque os parlamentares já traçaram suas estratégias de reeleição sem levar em conta a componente “fidelidade” ao governo. Pesou muito o tratamento que a presidente dispensou a deputado e senadores em seus três anos e três meses de mandato. E a CPI da Petrobras impede que Berzoini possa se dedicar exclusivamente à recomposição dos partidos e congressistas aliados.

    PT profundo volta ao centro do poder no Planalto

    Com a nomeação de Ricardo Berzoini para a pasta das Relações Institucionais, da qual o deputado toma posse nesta quarta-feira, a presidente conclui as mudanças no governo feitas para substituir os ministros que vão disputar as eleições. Uma reforma que se arrasta desde janeiro último, da qual Dilma não tirou nenhum proveito, apenas desgaste.

    Não é nenhum exagero afirmar que a presidente sai menor do que entrou na reforma ministerial. Basta olhar o novo organograma do Palácio do Planalto. Não sobrou pedra sobre pedra da construção feita por Dilma. No lugar de Ideli Salvatti (PT-SC), que troca a coordenação política pela Secretaria dos Direitos da Pessoa Humana, e da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que saiu para disputar o governo do Paraná, entra o PT de São Paulo, que desde os tempos de José Dirceu andava afastado daquelas paragens (o secretário-geral Gilberto Carvalho não conta, é visto ainda hoje como os olhos e ouvidos de Lula no Palácio do Planalto).

    O senador Aloizio Mercadante (Casa Civil) foi a escolha possível a Dilma no PT. Mesmo assim ela precisou da ajuda de Lula para aparar arestas que o ex-senador tem com o seu partido. Berzoini é PT profundo, deputado oriundo do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, fundador da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) e ex-ministro da Previdência Social e do Trabalho, no governo Lula. Para assumir o ministério, desistiu de uma reeleição certa para deputado federal. Ou seja, conta em ficar num eventual segundo mandato de Dilma.

    O caso Bancoop, cujos recursos teriam sido desviados para um suposto caixa 2 do PT, entre 2002 e 2004, passou raspando por Berzoini, mas seu nome não estava na relação de denunciados à Justiça. O novo ministro foi eleito para a presidência do PT em 2005, em pleno escândalo do mensalão.

    Foi nessa época que construiu a fama de hábil articulador político. Com o PT em frangalhos, o atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, propôs a “refundação” do partido, o que na prática significava tirar o poder da “Articulação”, a tendência comandada por Lula e o ex-ministro José Dirceu que controlava com mão de ferro o partido. Berzoini teve de disputar um segundo turno, mas venceu e manteve o poder do grupo dominante do PT, hoje denominado Construindo um Novo Brasil (CNB).

    Na campanha da reeleição de Lula o ministro que assume hoje a coordenação política e o atual chefe da Casa Civil se encontraram no chamado “escândalo dos aloprados” – a montagem de um dossiê fajuto contra José Serra (PSDB), que à época disputava o governo de São Paulo com Mercadante. Lula isentou Berzoini da trapalhada, mas ele teve de se afastar da campanha da reeleição.

    Para assumir as Relações Institucionais, cargo para o qual estava cotado há mais de um ano, Berzoini também precisou contornar alguns obstáculos na bacada do PT, especialmente com os deputados Marco Maia (RS) e Cândido Vaccarezza (SP), e se acertar com Mercadante. O ministro da Casa Civil não dava satisfações à ministra Ideli Salvatti. Ele terá dificuldade para manter esse tipo de comportamento com Berzoini.

    Por mais de uma ocasião Ideli e Gleisi Hoffmann disseram, no primeiro semestre de 2013, que estariam dispostas a abrir mão de seus projetos pessoais, se Dilma pedisse que elas ficassem no governo. À época, Ideli ainda tinha uma tênue expectativa de disputar o governo de Santa Catarina, enquanto a ministra Gleisi já aparecia como uma opção competitiva para a disputa do governo do Paraná.

    Dilma se fragilizou no governo em junho do ano passado, por ocasião das grandes manifestações populares. É dessa época a formação do grupo batizado pelos jornais de “coordenação da campanha” à reeleição da presidente. A realidade é bem mais que isso, o grupo é quase uma junta governativa – ou “coletivo democrático”, expressão mais ao gosto do PT.

    Seus integrantes são conhecidos: Dilma, o ex-presidente Lula, o ministro Mercadante, o ex-ministro Franklin Martins, o presidente do PT, Rui Falcão e o publicitário João Santana. Até as manifestações de junho, Dilma fazia o que queria no governo. A presidente ficou abalada e insegura quando perdeu 30 pontos no gosto do povo, segundo as pesquisas, na sequência das manifestações.

    Foi nesse grupo que surgiu a ideia de convocação da Constituinte exclusiva para a reforma política, um dos cinco pactos que a presidente propôs como resposta às manifestações. Era apenas uma tentativa de mudar de assunto no meio das passeatas, fazer alguma coisa, inventar novidade.

    Em suas reuniões periódicas, algumas no Palácio da Alvorada, fala-se muito mais que de política de alianças do PT. A degola das ministras Ideli Salvatti e Helena Chagas (Comunicações), por exemplo, ocorreu numa dessas reuniões.

    Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

     

    E-mail: raymundo.costa@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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