A reforma que a eleição empurrou para 2015

    Por Carlos Schneider

    Ninguém tem dúvida de que o Brasil vive situação peculiar em termos de previdência social. Um país com população jovem, em pleno bônus demográfico, apresentando déficits, enquanto deveria justamente estar construindo uma poupança previdenciária para enfrentar os grandes desafios das próximas décadas, quando o número de idosos passará dos atuais 23 milhões para algo como 65 milhões na década de 50.

    Por outro lado, a população de 15 a 59 anos, que atingirá seu pico em 2020 e que sustenta o sistema, estará em queda. As projeções indicam que o déficit, considerando apenas o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que em 2013 foi de R$ 51,3 bilhões, equivalente a algo como 1% do PIB, deverá chegar a 5% em 2050. É muito preocupante o aumento acelerado do número de idosos, acompanhado da redução da participação da população ativa, que é quem paga os benefícios daqueles que estão se aposentando, num regime de repartição simples, como o nosso.

    Fábio Giambiagi e Armando Castelar escrevem no livro “Além da Euforia”, que as regras de aposentadoria são o nosso “lado grego”. Dão uma pequena pista de porquê Portugal entrou em crise após os problemas de 2008 e a Alemanha não: em Portugal as pessoas podem se aposentar já com 55 anos e na Alemanha só aos 63. Enquanto isso, no Brasil, os homens se aposentam em média aos 54 anos e as mulheres aos 52, por tempo de contribuição ao INSS.

    Por uma assistência previdenciária menos generosa nos excessos, e mais justa e garantida no longo prazo

    Na realidade, as inconsistências do nosso sistema previdenciário já vêm de muito tempo e foram acentuadas com a Constituição de 1988, pródiga em distribuir direitos sem estabelecer as correspondentes obrigações e soluções fiscais. O aumento da carga tributária de 25% para os atuais 37% do PIB é um pesado testemunho disso.

    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou recentemente que a reforma previdenciária foi um dos importantes complementos ao Plano Real que ele não conseguiu aprovar durante o seu governo, tendo que contentar-se com a criação do Fator Previdenciário que reduz os benefícios de quem se aposenta mais cedo. Agora, um grupo de parlamentares estimulados pelo movimento sindical tenta anulá-lo. A consequência será um acréscimo anual de mais de R$ 18 bilhões ao já insustentável rombo da previdência, que certamente terá que ser coberto com aumento de carga tributária.

    Segundo o professor Renato Fragelli Cardoso, da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas, enquanto a modicidade do programa previdenciário coreano, por exemplo, elevou a poupança do país a 30% do PIB, a prodigalidade do programa brasileiro desestimulou a nossa poupança, mantendo-a em no máximo 17%.

    Uma alternativa é a transição do atual sistema solidário, no qual uma geração banca a outra, por um sistema de capitalização com contas individuais alimentadas por contribuições pessoais ao longo da vida. Aos críticos que alegam o elevado custo desta alteração, há que se contrapor que, com a inversão da nossa pirâmide social, mais cedo ou mais tarde esse custo terá que ser assumido. E quanto mais cedo, menor será.

    Por outro lado temos um desequilíbrio ainda maior na previdência dos servidores públicos, o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS. Se o RGPS em 2013 apresentou um déficit por segurado de R$ 1,6 mil, no RPPS o rombo foi de R$ 78 bilhões em 2012, o que significa R$ 23,2 mil por segurado. Deste valor, R$ 57,6 bilhões se referem à União, R$ 33,7 bilhões aos Estados, enquanto os municípios apresentaram superávit de R$ 13,6 bilhões. Isso significa que a União, os Estados e também muitos municípios estão tirando dinheiro do caixa, ou melhor, do bolso dos contribuintes, para bancar as aposentadorias. Sem considerar, como alerta Giambiagi, que os próximos aposentados da administração pública, com os aumentos salariais reais dos últimos anos, vão passar para a inatividade com uma renda muito superior à média dos seus salários de contribuição.

    Estados e municípios buscam alternativas para garantir o pagamento das aposentadorias, desde a criação de loterias até o rigor nas regras para liberação de pensão por morte no serviço público.

    Aliás, no quesito pensão por morte o Brasil tem um dos gastos mais altos do mundo: 3,2% do PIB em 2011, contra 1,3% no Japão, 0,9% na média dos países da OCDE que reúne as 30 maiores economias do mundo, 0,7% nos Estados Unidos, 0,2% no México e 0,1% no Reino Unido. Em 2011 foram R$ 70 bilhões pagos a viúvos e viúvas.

    Um dado interessante é que se o Brasil reduzisse esse gasto para os 0,9% da OCDE, a diferença de 2,3% do PIB permitiria dobrar os investimentos públicos no país. Hoje a União, Estados e municípios investem por ano em infraestrutura, pesquisa, formação, saúde, entre outros fatores, apenas 2,5% do PIB contra três vezes esse percentual na Índia e quase dez vezes na China, por exemplo.

    Há que se reconhecer um esforço pessoal da presidente Dilma para procurar estancar o déficit da previdência pública da União, com a aprovação no Congresso do FUNPRESP – Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal, válido para os novos entrantes a partir da data da sua regulamentação, em fevereiro de 2013.

    No governo já se reconhece que o país não escapa de uma reforma na seguridade social. Por enquanto, estão sendo trabalhadas propostas menos polêmicas como a redução de gastos com auxílio doença e invalidez, correção de distorções na concessão de pensões, rigor nas regras para a concessão do seguro-desemprego e do abono salarial.

    Dificilmente o governo encaminhará esses projetos ao Congresso esse ano, até porque não seriam aprovados. Esperamos que após as eleições o espírito público volte a prevalecer em Brasília, e em outras capitais, para que os brasileiros possam contar no futuro com uma assistência previdenciária menos generosa nos excessos, contudo mais justa e garantida no longo prazo.

    Carlos Rodolfo Schneider é empresário em Joinville (SC) e coordenador do Movimento Brasil Eficiente (MBE); crs@brasileficiente.org.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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