A refundação da administração pública

    A análise da administração pública comparada evidencia que nenhum país no mundo alcançou um nível elevado de desenvolvimento socioeconômico sem contar com uma administração pública competente, bem remunerada e respeitada pela sociedade. Essas administrações, na medida em que foram elevando a produtividade, se tornaram capazes de apoiar os processos de desenvolvimento de seus países, ofertando serviços públicos de qualidade, de forma tempestiva.

    É oportuno recordar que o objetivo final do Estado é a geração do bem comum. Para realizar essa tarefa, conta com a administração pública, que pode ser entendida como o eixo de transmissão entre o Estado e a sociedade. Quando funciona de maneira adequada, os serviços públicos chegam aos cidadãos e aos atores econômicos de forma contínua e sem burocracia.

    No caso do Brasil, verifica-se que esse estágio ainda está

    longe de ser alcançado. A administração pública brasileira – que conserva ranços burocráticos ultrapassados e um viés patrimonialista exacerbado – é vista com desconfiança pela população. Observa-se que a sobrevivência do patrimonialismo tem contribuído para isso, visto que os governantes e políticos que estão no poder acreditam que podem tudo, como requisitar um avião para fins particulares, até a apropriação de recursos públicos para financiar um projeto político para manter-se no poder.

    As fragilidades e deficiências da administração são agravadas pela adoção do modelo de coalizão presidencial, que visa garantir maiorias confortáveis de sustentação política ao governante, no qual as escolhas dos principais gestores são feitas pelo “político”. Ao privilegiar esse modelo desarrazoado de divisão do poder e de aparelhamento do setor público, os governantes relegam a plano secundário a competência técnica, a ética e o compromisso com a prestação de serviços públicos de qualidade.

    Assim, a reconhecida baixa qualidade dos serviços públicos ofertados à população brasileira – notadamente educação, saúde, segurança e transportes públicos -, explicitadas nas pesquisas de opinião pública, evidencia que a reforma do aparato administrativo do Estado é uma medida urgente e necessária, com vista a torná-lo mais democrático, eficiente, eficaz e efetivo para atender seus usuários.

    Registre-se que o conflito sociedade versus administração pública é agudizado pela mídia, que critica e nivela, em geral, a administração pública por baixo, aumentando esse embate. Sabe-se que mudar essa realidade não é tarefa fácil. As crescentes reivindicações nas ruas e nas redes sociais sinalizam o desejo da população brasileira por mudanças profundas na forma de gestão do Estado, com destaque para as exigências de ética na política, combate à corrupção e melhores serviços públicos.

    É relevante alertar que a “refundação da administração pública” é um processo de extrema complexidade, que demanda profundos e detalhados estudos. Seu processo de reestruturação implica, efetivamente, na reavaliação de práticas e valores culturais arraigados na sociedade. Assim, uma reforma da administração pública dessa dimensão vai além da vontade política do governante e da participação do parlamento. Ela exige o envolvimento e a cobrança efetiva da sociedade. Nesse esforço, o Estado precisa acreditar e facilitar a vida do cidadão e dos agentes econômicos, procurando eliminar a burocracia e estimular a elevação da produtividade na Gestão Pública.

    Para que o Estado possa cumprir o seu papel de gerar o bem comum, torna-se essencial que o próximo presidente da República inclua na agenda de reformas estruturais a “refundação da administração pública”, apoiada em novos parâmetros e valores, como a meritocracia, a competência e a ética. Busca-se, assim, a rearticulação das relações do Estado com a sociedade, para atender as demandas da população com serviços públicos de qualidade, reduzir gastos, executar e avaliar políticas públicas, elevar a transparência, além de promover e estimular investimentos em setores estratégicos, criando as condições para a retomada do processo de desenvolvimento sustentável do Brasil. 

    » JOSÉ MATIAS-PEREIRA – Economista, advogado, doutor em ciência política pela Universidade Complutense de Madri (Espanha), pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo, professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília

     

    Fonte: Correio Braziliense

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