Na véspera, a maior preocupação do presidente do PT, Rui Falcão, era a acareação que a CPI da Petrobras ameaçava fazer entre o tesoureiro João Vaccari e delatores da Operação Lava-Jato. Cauteloso, Falcão não deixava de registrar uma distensão na política, a expectativa de que a inflação tenha parado de subir e os protestos menores do 12 de abril em relação ao 15 de março. No Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff sentia-se segura o suficiente para indicar ao Senado o nome de um jurista ligado ao PT e ao MST, Luiz Fachin, para a vaga aberta há quase nove meses pelo ex-ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal (STF).
A prisão do tesoureiro Vaccari, na primeira hora do dia de ontem, atingiu em cheio o governo e o PT, muito embora o primeiro tenha procurado se distanciar do segundo, mas é cedo para se falar no agravamento de uma crise que parecia em processo de controle e muito menos ainda para marcar o início de uma escalada que pode levar à discussão da abertura de um processo de impeachment do mandato da presidente Dilma Rousseff. A oposição deve apertar o cerco, mas os problemas, depois de rápido arrefecimento, já tinham voltado a rondar a porta de Dilma quando o tesoureiro foi algemado. A situação piorou em 24 horas.
De imediato, a crise balançou o PT e sua direção, que depois do depoimento de Vaccari à CPI da Petrobras, considerado bem sucedido, já imaginava como virar a página internamente. O partido planeja lançar no 1º de Maio uma plataforma virtual para receber doações de pessoas físicas. Para aquecer, Falcão lançou uma convocação no Twitter: “Eu defendo que o PT deve abrir mão, voluntariamente, do financiamento empresarial de campanha. Concorda comigo?” A última contagem contabilizava 91,4% de votos sim.
Combinada com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a bancada do PT na Câmara articulava um pedido de audiência ao ministro Gilmar Mendes, do STF. O objetivo era constrangê-lo a devolver para o plenário uma ação que pode levar ao fim do financiamento empresarial das campanhas – a maioria do Supremo já votou favoravelmente. Subjacente há a ideia de que, se o PT nacional não recebe, a responsabilidade é de quem receber. É improvável que os candidatos do PT a prefeito, nas eleições municipais de 2016, sigam o exemplo do diretório nacional, mas o maior objetivo do partido é sair da defensiva na qual foi posto pela Operação Lava-Jato. A reforma política é um dos itens da pauta da reunião do diretório nacional convocada para hoje.
A direção do PT considerava praticamente vencida a discussão sobre o afastamento de Vaccari, depois de seu depoimento à CPI da Petrobras, na semana passada. Não foram poucas as sugestões nesse sentido, a começar do ex-presidente Lula. Ministros de Dilma também defenderam a saída do tesoureiro, sendo que alguns achavam que toda a Executiva Nacional deveria se afastar, com exceção de Falcão, que foi eleito para o cargo. Na crise do mensalão o atual ministro Ricardo Berzoini presidia o PT e foi forçado a se afastar. O deputado Paulo Teixeira (SP) ensaiou um cafezinho de Falcão com a tendência Mensagem, quando pretendia tocaiar o presidente do PT com o pedido de afastamento. Falcão percebeu o movimento e cancelou o café.
A questão do afastamento já fora discutida com Vaccari. O tesoureiro achava que seria uma confissão de culpa. Ele concordava em sair, se fosse mal na CPI. Ao final do depoimento, achou que teve um desempenho razoável. “Por que só o dinheiro dado a mim é propina?”, perguntava Vaccari, esgrimindo levantamentos das doações feitas pelas empreiteiras da Lava-Jato aos partidos: em 2010, o PT ficou 24% dos R$ 135,5 milhões doados por 16 empreiteiras, sendo que o PMDB abocanhou 24% do total e o PSDB, 20%. Em 2014 as mesmas 16 empresas, segundo os arquivos do tribunal eleitoral, doaram R$ 22,5 milhões e o PT ficou com 25%, o PSDB com 24% e o PMDB com 21% do total. A família de Vaccari, que se opusera a sua ida para a tesouraria do PT, agora apoiava sua permanência. Com Vaccari preso, o PT não tinha outra alternativa a não ser afastar o tesoureiro.
A dúvida que agora permeia as correntes do PT, mais para certeza, é se o juiz Sergio Moro e os procuradores federais vão parar em João Vaccari. O Palácio do Planalto passou o dia de ontem tentando demonstrar tranquilidade e apoio institucional às investigações. Integrantes das campanhas da presidente da República, inclusive aliados do PMDB, na realidade, dizem que Dilma vetou João Vaccari para tesoureiro de sua campanha. “Esse cara eu não quero como meu tesoureiro”, teria dito. Em 2010 foi José de Fillipi Jr. e em 2014, o deputado estadual Edinho Silva atual ministro da Comunicação de Governo, que está no radar da Lava-Jato. Na cúpula petista vê-se ingenuidade do governo ao supor que o avanço das investigações vá parar no PT.
No gabinete anexo do Palácio do Planalto onde funciona a Vice-Presidência da República o PMDB quer aguardar os desdobramentos da prisão, pelo menos até hoje, para avaliar em que media o fato atinge as articulações em curso de Michel Temer para devolver o controle da articulação política para o governo. Mas independentemente de Vaccari já passa por um teste de fogo: o partido e boa parte de seus aliados fora do campo de esquerda consideraram desastrosa a indicação de um “ministro do PT” para a vaga de Joaquim Barbosa no STF. A presidente, segundo avaliam, não está em condições de fazer essa indicação e terá problemas conseguir a sua aprovação no Senado.
Esse foi o primeiro tranco levado pelo presidente do Sendo, Renan Calheiros (PMDB-AL). O segundo foi, na mesma tarde, a informação de que o ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves substituirá o ministro do Turismo, Vinicius Lages, seu afilhado político. Renan contou aos pemedebistas que, no fim do ano passado, Dilma disse que tinha um presente para ele: a manutenção de Lages. A nomeação de Alves deveria ser a afirmação de Temer na coordenação política do governo, mas até o vice já reclama porque Dilma estaria justificando a nomeação de Alves a pressões da parte dele.
Com Vaccari preso, tudo o que a presidente não precisa, no momento, é voltar às turras com o PMDB, o que à esta altura já parece inevitável, pelo menos, no Senado Federal. Até porque há muita apreensão no PT com a possibilidade de João Vaccari se voltar contra o partido e o governo, na hipótese de permanecer longo tempo na cadeia e se sentir abandonado por ambos.
Fonte: Valor Econômico