Em decisão unânime, o plenário do TCU considerou que o governo maquiou o balanço contábil por meio das chamadas pedaladas fiscais: antes de Dilma, só Vargas teve as contas rejeitadas
Pela primeira vez desde a redemocratização, os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitaram por unanimidade as contas do ano passado da gestão da presidente Dilma Rousseff (PT). O parecer aprovado na tarde de ontem, que atesta que o governo federal emitiu créditos suplementares sem aprovação do Legislativo e utilizou R$ 40 bilhões para maquiar o balanço contábil por meio das chamadas pedaladas fiscais, já deve seguir hoje para o Congresso. O voto do relator do caso, ministro Augusto Nardes, atestou que o governo fez manobras ilegais para que bancos públicos financiassem programas sociais da gestão petista. A oposição aposta que a rejeição das contas pavimentará o caminho para um eventual processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) por crime de responsabilidade.
A decisão de ontem é a segunda na história do país. Em abril de 1937, o tribunal rejeitou, por unanimidade, as contas do então presidente Getúlio Vargas, mas em agosto daquele ano o Congresso as aprovou. Em represália, em 1945, na ditadura Vargas, o relator daquele processo de rejeição de contas, o ministro Francisco Thompson Flores, foi cassado do cargo no TCU pelo regime de exceção.
Ontem, atacado pelos governistas por ter um posicionamento político durante todo o processo, o ministro Augusto Nardes, em seu parecer, fez questão de salientar que o seu posicionamento é técnico. “O que se observou foi uma política extensiva de gastos sem responsabilidade fiscal e transparência. Essa posição é de 14 auditores concursados, portanto, absolutamente técnica.”
No plenário, auditores fiscais que participaram de todo o processo vibravam a cada frase do relator. Até a tarde de ontem, o governo ainda alimentava esperança de que o Supremo Tribunal Federal (STF) cancelasse o julgamento. No entanto, o ministro Luiz Fux sepultou qualquer chance palaciana ao não acatar o mandado de segurança da Advocacia-Geral da União (AGU). É provável que hoje o presidente do TCU, Aroldo Cedraz, e o relator do caso, ministro Augusto Nardes, entreguem o parecer em mãos ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Tramitação
Mesmo diante da acachapante derrota, o Planalto espera que Renan utilize o regimento da Casa para protelar a votação do decreto legislativo com base no parecer do tribunal aprovado ontem. Regimentalmente, o peemedebista não tem prazo para encaminhar o posicionamento da Corte à Comissão Mista de Orçamento (CMO), presidida pela senadora Rose de Freitas (PMDB), aliada de Renan.
Após análise do colegiado, a matéria ainda volta para a mesa do peemedebista. Só após esse percurso ele pode pautar para ir à votação no plenário do Senado. Depois disso, se aprovado, segue para a Câmara. Passando pelas duas Casas, o decreto legislativo rejeitando as contas é promulgado e a presidente fica inelegível. A partir daí, o caminho para o processo de impedimento da petista fica aberto.
Durante o julgamento, o advogado-geral da União, Luiz Inácio Adams, que se sentou ao lado de parlamentares da oposição pela completa ausência de governistas em plenário, fez uma sustentação oral discreta. Repetiu os argumentos que vem utilizando para justificar as manobras fiscais e alegou que o relatório do governo tem como base decisões anteriores da Corte. “O que o governo fez foi executar uma relação contratual que havia cláusula expressa e, mesmo sendo analisada pelas auditorias, nunca foi impugnada. Não existe meia operação de crédito, como não existe meia gravidez”, afirmou.
Adams alegou que o tema adquiriu um contorno político. “Esse é um debate essencialmente técnico. Nós vivenciamos um debate que extrapolou e muito o debate técnico. Ele misturou o debate técnico. Essa mistura, algumas intencionais e outras não intencionais, prejudica todo o processo. Eu acredito que o TCU tomará sua decisão e eu respeito. O que não pode é artificiosamente tentar transformar isso num processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff”, ressaltou. Nesse momento, parte do plenário o ironizou.
Suspeição
Antes da votação das contas, os ministros já sinalizavam como seria o resultado principal. Por decisão unânime, decidiu, há pouco, que o ministro Augusto Nardes continuasse à frente da relatoria do processo. Relator do caso, o corregedor do TCU, Raimundo Carreiro, negou em seu voto que Nardes tivesse cometido qualquer desvio que pudesse comprometer sua participação à frente do julgamento. “Podemos concluir que a presente representação é improcedente, tendo em vista que a matéria traduz meras ilações dos jornalistas ou declarações de Nardes que reproduzem apenas o que o TCU detectou”, afirmou. Carreiro salientou ainda que “não há nada, nas declarações de Nardes, que revele novidade ou manifeste qualquer juízo de valor”.
A AGU também havia alegado que o ministro recebeu, em seu gabinete, parlamentares que militam pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Talvez uma rápida consulta à agenda de Nardes seja necessária para perceber que ele recebe com frequência parlamentares da Câmara e do Senado, independentemente do alinhamento político. Eu mesmo recebi por diversas vezes ministros do Estado do governo da presidente da República”, afirmou.
Terminada a votação, o ministro Augusto Nardes, considerado um herói no julgamento, disse que recebeu ameaças por seu trabalho na relatoria das contas do governo de 2014. Segundo ele, seu gabinete recebeu telefonemas e mensagens de correio eletrônico com intimidações. “Minha assessoria recebeu telefonemas muito contundentes e palavras como “Vamos acabar contigo” e tal através de alguns e-mails.” Nardes disse que recebeu 12 mil a 13 mil mensagens nos últimos dias, embora 90% fossem de incentivo a seu trabalho. Ele passou a andar com seguranças do TCU e a polícia deu apoio. Em determinado momento, dispensou a segurança, mas depois foi assaltado em Copacabana no Rio de Janeiro, quando caminhava pela rua.
Os próximos passos
O parecer técnico do TCU, que rejeitou as contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff, será encaminhado ao Congresso.
Ao receber o posicionamento da Corte, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), encaminha para a Comissão Mista de Orçamento (CMO). Não há prazo regimental para isso.
Em seguida, se aprovado, o parecer retorna à mesa de Renan Calheiros e ele pode pautar para ir à votação no plenário da Casa.
Depois, se passar pelo Senado, a matéria é encaminhada à Câmara. No entanto, se houver acordo, a votação pode ser feita numa sessão conjunta.
Em caso de aprovação nas duas Casas, o decreto é promulgado e a presidente da República torna-se inelegível.
Em caso de aprovação da rejeição das contas, a presidente Dilma Rousseff pode ser alvo de um processo de impeachment por ter cometido crime de responsabilidade.
Fonte: Correio Braziliense