Agrado a servidor fura teto salarial

    Isabella Souto 

    Uma proposta feita sob medida para agradar aos servidores públicos — e talvez desafiar o Tribunal de Contas da União (TCU) e o governo federal— está na lista de temas a serem analisados pelo Congresso neste ano. Mesmo com pouco tempo disponível para votações, já que, como apontou o Correio na edição de ontem, o ano legislativo será mais curto, os parlamentares têm na manga um texto que vai facilitar a proliferação de supersalários na Esplanada e, de quebra, atrair votos de muitas categorias e ainda confrontar órgãos fiscalizadores. Em 2013, o TCU ganhou uma briga na Justiça para que benefícios como hora extra não servissem para o cálculo do teto constitucional, hoje de R$ 29.462,25, e obrigou o Senado a devolver o que foi pago a mais nos últimos cinco anos. No fim do ano, entretanto, no apagar das luzes e sem alarde, os congressistas aprovaram um projeto que cria 25 exceções na contagem do teto – as chamadas parcelas indenizatórias que não seriam consideradas parte do salário e que, na prática, vão inflar contracheques sem que precisem ser abatidos. E gasto extra é tudo de que o governo não quer ouvir falar.

    A matéria foi aprovada na Comissão de Regulamentação de Dispositivos Constitucionais — composta por deputados e senadores — em novembro do ano passado, em menos de cinco minutos e sem que alguém tenha se manifestado verbalmente contra ou a favor. O texto regulamenta o artigo 37 da Constituição Federal, que exclui da aplicação do teto as parcelas de caráter indenizatório e diz que uma legislação específica trataria dos casos – o que até hoje não foi feito. Atualmente, a Resolução 14 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é a única norma que elencou exceções à aplicação do teto para servidores do Judiciário, como diárias de viagem, verba para mudança e transporte e auxílios moradia e alimentação.
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    Os parlamentares, porém, foram além, e incluíram outras verbas, como o auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-natalidade, ressarcimento de despesas médicas e odontológicas, salário-família e até o auxílio-fardamento — verba destinada aos militares para o custeio da farda. Na justificativa do projeto, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), autor da primeira versão do texto, admite que o tema é “controverso” e que deve ser observado sob dois ângulos.

    “Moralidade”
    O primeiro é que, “a bem da moralidade pública”, é preciso haver um limite fixo para o pagamento a servidores. “De outro lado, a política remuneratória deve ser tal que respeite a complexidade e a responsabilidade das atribuições dos agentes públicos, além de atentar para a necessidade de atrair profissionais que sejam, ao mesmo tempo, talentosos e vocacionados para atuar no Estado, submetendo-se a todas as restrições que lhes são inerentes”, argumenta.

    Um dos objetivos da proposta é garantir no próprio Congresso e em outros órgãos a presença de altos servidores que, além de terem funções comissionadas, praticamente seguram o andamento das atividades parlamentares, como diretores, secretários e chefes de gabinete. O salário dos parlamentares em si não seria modificado com a regra, pois as regalias a que eles têm direito, como auxílio-moradia e verba indenizatória, já não são contabilizadas como remuneração. Na prática, a medida pode estender aos funcionários públicos parte dos direitos dos congressistas.

    Além das 25 parcelas elencadas na matéria, ainda há um inciso que abre brechas para a inclusão posterior de outros benefícios. Isso porque o inciso diz que poderão surgir outras “parcelas indenizatórias previstas em leis específicas”. O relator do projeto, senador Romero Jucá (PMDB-RR), alega que o trecho foi colocado porque o projeto não tem a pretensão de ser uma “lista exaustiva” de todas as modalidades de verbas indenizatórias existentes.

    Após passar pela comissão, o projeto chegou à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em 10 de dezembro do ano passado e já foi para o plenário. O texto, porém, entra na lista dos demais que podem não andar neste ano por conta da morosidade do Congresso devido à Copa e às eleições. O Correio apontou ontem que haverá apenas 52 dias com possível votação em 2014. Mas, a depender da motivação política, a pressa pode ser amiga da aprovação de determinados temas, que beneficiem, de alguma forma, os próprios parlamentares, direta ou indiretamente.
    Colaborou Adriana Caitano

    Entenda o caso

    Liminares contra a reforma
    Aprovada em dezembro de 2003, a reforma da Previdência criou o teto salarial a ser aplicado no serviço público. Pouco depois, foram milhares as ações judiciais de servidores com contracheque com valores superiores — em todas elas, alegando o princípio do direito adquirido para não sofrer cortes no bolso. Os tribunais de Justiça concederam várias liminares acatando a tese, mas elas logo foram derrubadas pelo STF, que determinou o abate-teto nos altos salários. Ficou então a dúvida: benefícios e adicionais conquistados ao longo de uma carreira estariam assegurados? Penduricalhos recebidos por ocupantes de cargos eletivos seriam contabilizados no cálculo do teto?

    As respostas começaram a vir em 2006, durante o julgamento do Mandado de Segurança 24.875, ajuizado dois anos antes por quatro ex-ministros do STF: Djaci Alves Falcão, Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, Luiz Rafael Mayer e Oscar Dias Corrêa. Eles pediram a declaração de inconstitucionalidade de dois artigos da emenda constitucional que tratou da reforma da Previdência e incluíram as vantagens pessoais e o adicional por tempo de serviço no cômputo do teto dos servidores públicos. Também queriam o reconhecimento de violação ao chamado direito adquirido.

    Durante a sessão de julgamento, os ministros entenderam que é constitucional a limitação do vencimento do servidor público — ou seja, não adiantaria argumentar a tese do direito adquirido para impedir um corte no salário. Por unanimidade, os magistrados decidiram ainda que os valores pagos referentes a adicionais por tempo de serviço (biênios, quinquênios e trintenário) devem ser incluídos no cálculo do subsídio para efeito de teto.

    As vantagens pessoais foram motivo de divergência entre os ministros. Pelo apertado placar de 6 votos a 5, venceu a tese que as vantagens pessoais deveriam ser mantidas sobre o argumento da irredutibilidade dos vencimentos. Faltou então, a aprovação pelo Congresso Nacional de uma legislação estabelecendo quais são as verbas indenizatórias que estariam de fora da aplicação do teto.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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