Ainda é cedo para apostar no fim do ciclo de aperto monetário

    Por Cristiano Romero | De São Paulo

    O governo sabe que o repasse para os preços da forte desvalorização do real ocorrida nos últimos meses ainda não ocorreu. Isso torna ainda mais desafiador o cenário de combate à inflação neste ano. O Banco Central (BC) vem elevando a taxa básica de juros (Selic) desde abril, com a missão explícita de mitigar os efeitos da depreciação do real sobre a inflação.

    Há a percepção em setores do governo de que, se o preço da gasolina for reajustado até o fim do ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) dificilmente ficará abaixo de 5,84%. Como se sabe, derrubar o índice abaixo desse percentual é a meta informal do BC para este ano. Por essa razão, é provável que o Palácio do Planalto não autorize aumento dos combustíveis antes de janeiro.

    De qualquer maneira, assim como o repasse da desvalorização, o preço da gasolina é hoje um risco para o panorama da inflação nos próximos meses. O governo vive um dilema: se reajustar a gasolina, provocará inflação num momento em que o IPCA está acima de 6% (em 12 meses); se não reajustar, prejudicará ainda mais as finanças da Petrobras, dificultando seus investimentos e afetando a economia como um todo – a estatal responde, sozinha, por cerca de 10% da Formação Bruta de Capital Fixo no Brasil.

    Do lado fiscal, a contribuição para a demanda agregada continua sendo expansionista e é para isso que o BC olha. Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), afirmou-se que estão sendo criadas as condições para que, “no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade”. Não há contradição entre as duas coisas.

    A expectativa é que a política fiscal se torne neutra em 2015. O BC está olhando para o chamado “impulso fiscal”, isto é, a taxa de crescimento do gasto entre um ano e outro e não para o tamanho da despesa em si. Isso significa que, do ponto de vista do impulso fiscal, o gasto, na opinião do BC, deve se manter neutro entre 2014 e 2015. Equivale a dizer que, para o Copom, o setor público não fará, neste governo, esforço fiscal superior ao que está prometendo – legalmente, o governo pode fazer abatimentos até o limite de 1,3% do PIB, reduzindo o superávit primário para 1,8% do PIB.

    Os efeitos da expectativa de mudança da política monetária dos Estados Unidos e a ameaça de rebaixamento da classificação de risco do país tiveram o poder de acordar o governo na área fiscal. É isso que vai disciplinar a política de gastos daqui em diante. O Ministério da Fazenda está correndo atrás de receitas para tentar entregar o superávit primário prometido em 2013 (2,3% do PIB), embora poucos acreditem que vá conseguir.

    Na área cambial, o governo acredita que o programa de venda diária de linhas e swaps cambiais, lançado há três semanas, está sendo bem-sucedido. Está funcionando, alega-se, porque deu transparência e um certo grau de previsibilidade à política de intervenção. A recente apreciação do real não interromperá o programa, que expira em 31 de dezembro. O BC pode, inclusive, estendê-lo, se julgar necessário.

    O plano de intervenção no câmbio é apenas o piso, o ponto de partida da estratégia do BC para enfrentar a volatilidade nesse mercado. A autoridade pode, por exemplo, atuar no mercado spot (à vista), mas ainda não viu necessidade para isso. A ideia, por outro lado, é não acolher todas as ofertas de dealers, sem olhar para o cupom cambial (taxa de juros nas aplicações em dólar) – o BC não aceitará pagar mais caro nos leilões de linha e swap quando considerar que os participantes de mercado estão cobrando caro.

    Tudo isso indica que é cedo para se apostar no fim prematuro do ciclo de alta dos juros iniciado em abril. O aperto vai continuar.

     

    Fonte: Valor Econômico

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