Ajuste fiscal ainda não passou pelo crivo do Congresso

    A passagem do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por Washington e Nova York, durante a reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, trouxe boas notícias para o governo. O discurso mais realista do ministro, a defesa de medidas de ajuste fiscal e uma visão amigável sobre o papel do setor privado no investimento consolidaram um novo discurso econômico. Um discurso elogiado por quem ouviu. 

    No front interno, entretanto, o país chega ao fim de abril, já passado um terço do ano, sem aprovar as medidas do ajuste fiscal, com a economia em queda e o cenário político ainda dominado por intempéries. À medida que o calendário avança e estas questões continuam sem resposta, só aumenta a probabilidade de o país ter que enfrentar um ajuste ainda mais duro, mais oneroso para a atividade econômica e o emprego do que já se antevê. 

    No manejo do ajuste fiscal, a sinalização vinda da Fazenda na semana passada foi a de que o torniquete aplicado em fevereiro, que representou um corte de 20,3% nas despesas discricionárias, teve que ser relaxado. O limite de gastos dos ministérios até o fim de maio, quando será anunciado o contingenciamento definitivo do Orçamento, teve que ser elevado e o corte foi reduzido para 17%. 

    A redução de despesas necessárias para cumprir a meta de superávit primário de 1,2% do PIB este ano teria que variar entre R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões, dependendo de como a conta é feita e se ela inclui ou não as emendas parlamentares.

    A decisão da semana passada, consagrada em decreto, está longe de caracterizar uma mudança no rumo do ajuste, mas aumenta a dúvida sobre o quanto mais o governo conseguirá conter de gastos para alcançar o esforço fiscal previsto. 

    As medidas de ajuste que tramitam no Congresso não avançaram. A comissão que examina as mudanças no seguro-desemprego, abono salarial e seguro-defeso (para pescadores) continua aguardando a votação do relatório, adiada para a próxima quarta-feira. A que analisa as alterações na pensão por morte ainda não tem relatório, mesmo caso da redução da desoneração da folha de pagamentos, agora enviada na forma de projeto de lei. 

    A desoneração, aliás, é tratada pela equipe econômica como a medida fiscal de maior urgência da pauta que está no Congresso. A estimativa inicial de uma redução de despesas de R$ 12 bilhões para o Tesouro não será alcançada. Mesmo não contando com ganho tão expressivo, o ministro Levy depende da votação para fechar as contas do contingenciamento deste ano. 

    A discussão fiscal acabou eclipsada na semana passada pela discussão do projeto que regulamenta a terceirização de mão de obra. Neste, o governo saiu derrotado, sem que o ministro Levy conseguisse garantir o pagamento mínimo de tributos das empresas. Também grave para o ajuste é a ameaça de paralisação da pauta do Congresso que apareceu depois da disputa pública entre os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Cunha quer pressa na votação pelo Senado do projeto que regulamenta a terceirização, enquanto Calheiros afirma que os senadores não terão urgência nem aprovarão uma “pedalada” nos direitos trabalhistas. 

    O governo já avisou que usará todo o prazo legal, que acaba em 22 de maio, para definir o tamanho do contingenciamento deste ano. O motivo não é outro além da dificuldade de fechar as contas. Na mesma data, os ministros Levy e Nelson Barbosa, do Planejamento, terão que divulgar o primeiro relatório de receitas e despesas da União de 2015. 

    Será uma oportunidade para esclarecer as dúvidas que permanecem sobre o cumprimento da meta de superávit primário. Mais importante do que o valor do corte em si será conhecer como o governo pretende garantir o cumprimento da meta. 

    Até agora os economistas envolvidos no debate fiscal têm dúvidas sobre a real capacidade de o governo cumprir a meta, mas concedem a Levy o benefício da dúvida. A partir de maio, entretanto, o espaço para honrar os compromissos fiscais ficará bem mais reduzido caso não haja avanços concretos nos projetos que tramitam no Congresso. Mantido o atual cenário em que a economia não cresce, as contas não fecham e o Congresso, nas mãos do PMDB, não caminha na velocidade que o país exige, restará ao governo fazer o ajuste na marra, da forma que for possível.

     

    Fonte: Valor Econômico

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