Ajuste não evolui e rombo fiscal cresce

    Sem aval do Congresso a medidas de controle, o governo vai anunciar deficit de R$ 50 bilhões nas contas públicas. Para evitar número ainda maior, ministros discutem formas de acomodar no orçamento pedaladas de R$ 40 bilhões apontadas pelo TCU

    O sonho do superavit primário de R$ 66,3 bilhões, com que contavam os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e o do Planejamento, Nelson Barbosa, no início do ano, vai se transformar em algum momento desta semana no pesadelo de um deficit de R$ 45 a R$ 50 bilhões nas contas públicas. “Os números são bem ruins. Mas o maior problema é como essa história vem sendo contada aos brasileiros ao longo do ano”, criticou o economista-chefe da Itaim Asset Management, Ivo Chermont. Para ele, o governo “perdeu totalmente a credibilidade”.

    Em julho, os ministros já haviam apresentado uma nova meta fiscal para 2015. Em vez dos R$ 66,3 bilhões, apenas R$ 8,75 bilhões iriam sobrar para pagar juros da dívida. Era o possível, explicou-se, diante das das dificuldades para aprovar as propostas de ajuste fiscal no Congresso e da queda na arrecadação tributária, em meio à mais profunda recessão do país em duas décadas. Agora, o governo cai na real. Está prestes a assumir que terminará o ano com saldo negativo e não terá dinheiro nem sequer para pagar os juros da dívida.

    O pior é que essa estimativa de rombo primário não inclui ainda o pagamento das pedaladas, o atraso de recursos do governo para bancos públicos, que tiveram de tirar do próprio caixa o desembolso de programas sociais e outras despesas de responsabilidade do Tesouro. São R$ 40 bilhões, que terão de ser pagos pelo governo, em data ainda não está definida.

    O governo discute uma forma de acomodar essas pedaladas, sem que sejam feitas novas alterações na meta fiscal. Ontem, Levy, Barbosa e o ministro-chefe da Casa Civil, Jacques Wagner, integrantes da Junta Orçamentária, reuniram-se no Palácio do Planalto para examinar o assunto. Às 18h50, Levy estava de volta a seu gabinete. Ele viajará hoje para Londres, onde participará, até o início da próxima semana, de um encontro promovido pelo ministro das Finanças do Reino Unido, George Osborne. São grandes, portanto, as chances do anúncio de uma nova meta fiscal hoje, já que Levy dificilmente conseguirá acompanhar as discussões de longe.

    Expectativas

    Em meio à paralisia do governo e do Congresso na discussão do ajuste, as expectativas do mercado para o resultado fiscal têm piorado. Conforme o boletim Focus, divulgado ontem pelo Banco Central, a mediana das apostas dos analistas aponta para um deficit primário de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015. Mas há projeções bem piores. Para o especialista em finanças públicas da Tendências Consultorias Fabio Klein, o governo acumulará um rombo de R$ 46,4 bilhões neste ano, equivalente a 0,8% do PIB.

    Klein explicou que, além da queda na arrecadação de impostos, o Executivo não deve tirar do papel a abertura de capital da Caixa Seguradora e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), que renderiam R$ 10 bilhões aos cofres públicos. A demora para aprovação das medidas que tramitam no Congresso é outro problema.     O governo esperava garantir R$ 26,4 bilhões com o Projeto de Lei nº 285/2015, do Senado, que trata da regularização de ativos no exterior; com a Medida Provisória nº 685 de 2015, que cria programa de recuperação de débitos em atraso; e com leilões de concessão, mas as propostas não saíram do papel.

    Klein também comentou que, se o Congresso decidir que o governo precisa colocar rapidamente em dia os R$ 40 bilhões apontados peloTribunal de Contas da União (TCU) como pedaladas, o deficit primário ultrapassará 1% do PIB. “Ainda existe a ameaça de que seja votada a chamada pauta bomba, com reajuste salarial para servidores. Todos esses fatores implicam piora das projeções do mercado e reforçam a dificuldade do governo em reequilibrar as contas públicas”, alertou.

    Mudanças

    O professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Geraldo Biasoto Júnior avaliou que o governo precisa explicar à sociedade que terá uma frustração de receitas. Mas isso não é suficiente. Para equilibrar as contas, segundo ele, será preciso que o Executivo corte na própria carne e reduza “programas sociais, culturais e esportivos”. Sem essas medidas, acredita, será impossível recuperar a credibilidade e atrair investidores para o país.

    Biasoto ainda ressaltou que o Executivo tem dificuldades em aprovar o ajuste no Congresso porque o próprio PT, partido da presidente Dilma Rousseff, está divido. “A principal agremiação de sustentação do Executivo está fracionada e é a primeira a se insurgir contra as medidas para reequilibrar as contas. Sem a unidade da própria legenda é impossível convencer a base aliada”, alertou.

    Embora não tenha uma data-limite para alterar a meta, por meio de modificação na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015, o governo tem pressa de resolver esse capítulo para poder destravar as discussões sobre o Orçamento de 2016, que prevê mais um deficit, de R$ 30 bilhões.

    Estabilidade

    O ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, afirmou que o governo espera convergir para uma “estabilidade das expectativas” na economia. O objetivo é reduzir a inflação “para algo mais próximo da meta” e possibilitar a redução das taxas de juros. “A melhor alternativa é termos o equilíbrio fiscal efetivamente determinado para apresentar um orçamento equilibrado e exequível. Não adianta apresentar um orçamento cuja viabilidade a sociedade, governadores, prefeitos e o mercado não compreendam”, disse.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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